JORNAL
DO BRASIL: EMIR SADER*
Duas
cenas do nosso querido Maraca – mesmo gurmetizado – marcaram a semana. Uma,
esplendorosa, lembrando os velhos e bons tempos: lotado, com o maior público do
ano no Brasil, para a final Botafogo x Vasco. Mostrando que, mesmo com os
preços exorbitantes, quando um jogo mexe com as torcidas, elas comparecem e
fazem um espetáculo dos mais belos do mundo – o Maracanã lotado pelas torcidas.
Já o
Flamengo, que tem o Maracanã como sua casa, sozinho, projetou duas imagens
opostas. A primeira, coerente, só num treino para o jogo do dia seguinte tinha
mais de 40 mil pessoas, que pagaram, como entrada, um quilo de alimentos não
perecíveis. Que time, no mundo, mesmo sem estar numa fase boa, consegue isso?
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Torcida do Flamengo em treino (wallpaper) - Foto: @mulambinhac |
A
outra imagem, porém, foi triste, não apenas porque o Mengo empatou, mas porque
o Maracanã estava vazio para o jogo do Flamengo pela Libertadores. Com tanta
gente querendo vê-lo jogar – se possível, jogar bem melhor do que jogou – e não
podendo ir. E o estádio tristemente vazio, por irresponsabilidade de torcedores
que nem foram identificados ou punidos.
Mas
outro aspecto chama a atenção. Não se diz que usar o Maracanã é muito caro? E o
Flamengo usou o estádio num jogo sem torcida, isto é, sem entrada alguma, só
com gasto. Então, vale a pena jogar lá – e não na Ilha do Governador ou em
Cariacica.
Um
mistério que envolve o Maracanã, privado do povo do Rio por governos corruptos
e incompetentes no estado. Outro mistério é que a Odebrecht ainda não foi
completamente expropriada do estádio, o que continua a ser um complicador para
o uso, pelos times do Rio, do mais famoso estádio do mundo, com todos os males
que a empresa já provocou ao estado e ao Brasil!
É mais
um capítulo da elitização do Maracanã e do futebol brasileiro, da qual o
Flamengo e sua torcida são as principais vítimas. Me permito citar a monografia
de conclusão de curso, na PUC, do meu filho Miguel Sader: “O direito ao estádio
na cidade de exceção”, que pode ser acessado no
ludopédio.com.br, que, junto a outras bibliografias, aponta como a
elitização do Maracanã é apenas parte do que significa para o Rio e para as
pessoas, da fragmentação da cidade entre os espaços, tipo shopping center e
praças públicas. Da qual o filme sobre os geraldinos é outra expressão notável
dos tempos gloriosos do Maraca do povão.
E o
Flamengo, mesmo dirigido por um empresário, não consegue desfazer nem o nó de
ter de volta o estádio, para a alegria dos que podem pagar a entrada e voltar a
ver o time jogar no Maracanã. E por que não atender às demandas da torcida,
que, ao mesmo tempo que compareceu em massa para ver o treino, reclama sempre
do preço das entradas, reservando uma parte do estádio com preços mais
acessíveis? E ir jogar longe do Rio, em vez de fazê-lo aqui mesmo, com mais
público, mesmo arrecadando menos, mas certamente mais do que o faz lá longe?
O
futebol é suficientemente importante para estar nas mãos de cartolas. Ele
precisa ser democratizado, na contramão da Lei Pelé, que representou a chegada
do neoliberalismo ao futebol, que ao invés de democratizar os clubes, entregou
todo o poder aos empresários privados, que ganham os tubos e não contribuem em
nada para os clubes. Se, pelo menos, uma parte do que eles ganham fosse
revertida para a formação de novos jogadores e para dar acesso a setores mais
populares, vá lá. Mas, ao contrário, os clubes têm dificuldades para formar
jogadores e equilibrar suas finanças.
Pobre
Maraca, que já foi a alegria do povo, se torna um lugar exclusivo, alheio às
grandes alegrias e tristezas das torcidas, reduzidas a acompanhar seus times
pela TV. Quem pega esse pepino e resolve de uma vez?
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Sociólogo