GLOBO
ESPORTE: Renê Rodrigues Martins. Retirante da bola. Vencedor. Nordestino, sim,
senhor. Dos tempos em que auxiliava o pai na irrigação do campo municipal de
Picos, interior do Piauí, até a titularidade no Flamengo, o lateral-esquerdo
leva consigo a origem entranhada no sotaque com que rebate com orgulho qualquer
tipo de resistência. As que enfrentou no Rio de Janeiro, o próprio garante nada
ter a ver com o RG, mas ficam para trás com a obstinação comum aos conterrâneos
e expressada em números.
A
liderança em desarmes e passes certos no Brasileirão e na Libertadores ajuda a
explicar o fim do rodízio com Trauco na lateral esquerda. Ofensivo até mesmo
por instinto - pelas características do elenco -, o Flamengo de 2018 precisa de
peças como Renê para equilibrar-se entre defesa e ataque. Sacrifício encarado
com naturalidade:
- Até
pela forma que o Flamengo vem jogando, com um só volante de origem, é preciso
um cara ali atrás para fazer o serviço sujo, como se fala no futebol. Sobra
para mim e para o Cuéllar. Se não der para ajudar na frente, tento compensar
atrás marcando, roubando bolas para levar o time à vitória, que é o mais
importante.
"Minha
vaidade é ver o Flamengo vencer". A frase que marcou um nordestino ídolo
rubro-negro - Ronaldo Angelim - se aplica à rotina de Renê no time atual. A
consciência das limitações é proporcional a que o piauiense tem de sua
importância para engrenagem de Barbieri:
- É do
futebol. Quem faz o gol, quem dá o passe, esses são os grandes caras. Até
porque, isso é o mais difícil. Uns nascem com o dom de atacar e outros de
defender. A minha parte é ser lateral e aprendi que lateral primeiro defende.
Primeiro, tem que marcar. Se der para ajudar na frente, ajudo. Se não der, faço
minha parte.
Centro
de polêmica após o ex-comentarista da TV Globo, Juninho Pernambucano,
relacionar os questionamentos que sofria do torcedor ao fato de ser do
Nordeste, Renê disse não se sentir alvo de discriminação. As críticas são
encaradas com naturalidade por quem já vendeu sacolé, ajudou a mãe na feira,
consertou ventiladores e cuidou de irrigação de gramado antes de vingar no
futebol.
- É
difícil alguma coisa me deixar triste. Sou um cara que já passou por muita
coisa na vida, sigo o meu trabalho. O que falam fora, de bem ou de mal, procuro
não dar tanto ouvido e focar no desempenho.
Em
pouco mais de 30 minutos de conversa com o Globo Esporte, o camisa 6 do
Flamengo falou sobre preconceito, deixou clara suas atribuições defensivas,
relembrou o início no interior do Piauí e citou uma inspiração nordestina com a
camisa rubro-negra: Júnior, também lateral-esquerdo e jogador que mais defendeu
o clube na história:
Preconceito por ser Nordestino?
- Não
acho, não. Até porque, não tem como o cara (torcedor) saber, né? Na maioria das
vezes, a crítica vem porque querem que coloque outro e não pelo que você está
fazendo. Não tem nada a ver por ser do Nordeste. O Flamengo teve muitos
jogadores e a torcida no Nordeste é muito grande. Às
vezes, tem brincadeira, né? O cara brinca com você, fala do Nordeste alguma
coisa... Até brinco: "Vocês acham que o Nordeste é ruim, mas tem coisa
boa". Lá em Recife mesmo (quando defendeu o Sport), muitos iam me visitar.
Eles perguntam onde eu vou morar quando parar de jogar e digo que vai ser na
minha cidade (Picos-PI). É um lugar tranquilo, sem muita violência. Não é
capital, mas gosto muito e não troco por lugar nenhum.
Feio?
-
Rapaz, eu até acho, mas tem piores (risos). O Rodinei, por exemplo.
Tem amigos?
- O
cara mais próximo, até por ser da mesma cidade, é o Rômulo. Tem o Arão também,
o Jonas. No Piauí, somos bem unidos. Esses são os mais próximos do dia a dia,
mas tem também o Juan, que joga ali do meu lado, o Diego, que está sempre junto
na resenha. Minha relação é boa com todos, até com os que a língua não combina
muito.
Júnior
- Até
pelo fato de a torcida do Flamengo ser muito forte no Nordeste, acho que
preconceito não existe. Se existe, eu não me preocupo com isso. Pode brincar,
levo tudo na brincadeira, mas é preciso respeitar quem leva mais a sério. Soube
outro dia que Júnior é também do Nordeste. É um cara que fez história no
Flamengo, na Seleção, é sensacional na posição. É um orgulho e também espero
fazer história.
Defensivo?
-
Falam que o Renê não ataca, mas não é assim. Tem o fato do que o treinador pede
e a torcida não sabe. Eu não tenho que ficar falando da estratégia. Tem jogo
que eu tenho que ficar atrás do cara o tempo todo, tipo contra o Santa Fe. A
jogada era só pelo lado direito e tinha que ficar de olho. Se eu atacasse, ele
podia fazer o gol. É preciso analisar o jogo. Às vezes, até dá para atacar e
você não está em um bom dia. Não dá para fazer ultrapassagem toda hora.
Papel na boa fase do Fla
- O
jogo é cada time buscar o gol. Se você não toma, fica mais perto da vitória. E
é isso que nosso time tem feito bem nesse começo de ano. São cinco jogos sem
sofrer gols e lá na frente estamos sendo competentes para resolver os jogos e
vencer.
Bronca da mãe
-
Minha mãe não gostava muito que eu jogasse, chegava em casa sempre com a cabeça
do dedo arrancada. Se não fossem as puladas de janela que eu dava enquanto
minha mãe estava dormindo, não seria jogador. Mas até hoje ela diz: "Meu
filho, caiu muito no jogo". Eu digo: "Não, mãe, foi o carrinho, eu
que quis. É assim mesmo, tem que lutar". E ela acaba se conformando um
pouco mais.
Autocrítica
-
Tenho um aplicativo onde olho meu desempenho sempre que acaba cada jogo. Sempre
procuro melhorar, vejo reprises dos jogos para ver onde errei. É importante
para ajudar a equipe. Mesmo que às vezes não tenha o reconhecimento como
aqueles que fazem o gol, mas tem que ajudar. Cada um tem sua contribuição, cada
um na sua posição complementa o outro, um faz o que o outro não faz tão de melhor.
Por isso, estamos nessa pegada boa sem levar gols e de vitórias.
Liderança
-
Temos que aproveitar o momento. Campeonato de pontos corridos é longo, mas é
preciso começar bem. Estamos em uma pegada muito boa e temos que aproveitar com
os pés no chão. Há um longo caminho para o título ainda. Não podemos deixar
ninguém abrir, como o Corinthians no ano passado. Se puder, nós que vamos
abrir, mas é preciso estar sempre entre os primeiros colocados.
Favoritos no Brasileirão
- É
difícil falar, porque no futebol nem sempre quem tem o melhor grupo vence. Mas
o Cruzeiro está com o time forte, o Palmeiras... Acho que a gente também, o
Corinthians atual campeão. Acho que esses clubes vão brigar em cima da tabela o
ano todo e espero que o Flamengo possa terminar na frente.
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