CHUTE
CRUZADO: Pedro Henrique Torre
Uma
das tarefas mais árduas do Flamengo ao disputar um jogo decisivo de
Libertadores é controlar os nervos. Há uma predisposição no universo
rubro-negro ao clima de histeria coletiva ao menor sinal negativo. Não há
margem de erro diante de um histórico tão sofrível na maior competição
continental. É dever, portanto, trabalhar para um maior controle mental. Isto
porque o Flamengo atual, como visto diante do Grêmio na Copa do Brasil, tem uma
ideia de jogo bem amadurecida. Troca vasta de passes, imposição ao adversário.
Falta, portanto, mentalidade equilibrada para mantê-la, como observado na derrota
diante dos reservas do próprio Grêmio dias depois. Há dificuldades na euforia e
na depressão. Sem tal preparo, o Flamengo, uma vez mais, foi dócil ao
adversário na Libertadores. Trocou as pernas, mostrou nervosismo e sucumbiu
diante do Cruzeiro no Maracanã, nas oitavas de final de uma Libertadores que já
parece próxima do adeus.
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Maurício Barbieri, treinador do Flamengo - Foto: Gilvan de Souza |
É um
pacote no universo rubro-negro que conduz o ritmo à euforia ou, no caso da
Libertadores, à histeria. E há, neste pacote, o principal. O campo. O jogo. O
Flamengo mostrou ainda estar despreparado para a Libertadores. Não apenas por
parecer ignorar que faltariam pernas ao time em sequência tão insana neste
agosto decisivo. Mas, também, por ter sido ingênuo ou irresponsável em maio,
quando decidiu mandar Lucas Paquetá, pendurado, a campo diante do River Plate
mesmo com a equipe já classificada. O resultado foi uma suspensão do jogo de
ida das oitavas. Impacta. Pois Mauricio Barbieri sem seu principal jogador,
ainda que displicente neste pós-Copa, viveu noite ruim em suas escolhas. Tanto
na escalação quanto em substituições. Tentou mandar a campo o Flamengo no
4-1-4-1 mesmo sem um jogador com as características de Paquetá. Jean Lucas, o
substituto, já havia cumprido jornada ruim diante dos reservas do Grêmio na
vaga de Diego. Justamente por ser diferente. Carrega a bola, corre com ela em
vez de fazê-la correr sozinha, com passes variados. E, garoto com apenas 809
minutos jogador em 2018 até então – quase metade em meros cinco jogos no
Carioca – sentiu o tamanho do confronto no Maracanã.
Do
outro lado, Mano Menezes apresentava seu cardápio como uma raposa, sem
trocadilho. Indicava um 4-2-3-1, mas que se transformava rapidamente em 4-4-2,
deixando Thiago Neves e Barcos à frente, com os recuos de Arrascaeta e Robinho
pelos lados. O Cruzeiro era uma onda azul. Avançava e recuava em ritmo
parecido, tentando deixar o Flamengo indeciso quanto ao posicionamento. Fechava
muito bem o meio e dava botes precisos em Diego, sem deixá-lo pensar. Obrigava
o camisa 10, então, a reter a bola, girar. A irritar a arquibancada. À
esquerda, Lucas Silva acompanhava bem Jean Lucas e sufocava Everton Ribeiro ao
lado de Egídio, empurrando o camisa 7 para o lado, tentando impedir que
ganhasse o meio, o forte rubro-negro. O jogo do Flamengo em minutos minguou.
Sem troca de passes, com Cuellar também pressionado na saída de bola, não foi
raro ver o time tentar lançamentos.
Em um
deles, a bola voltou aos pés cruzeirenses. Thiago Neves lançou Robinho na
direita, que teve espaço, girou e achou Arrascaeta solitário, mas em condição
dada por Rodinei, para marcar com frieza diante de Diego Alves. 1 a 0. O
relógio contava apenas nove minutos. Era um indício negativo. E o clima de
histeria se instalou precocemente no Maracanã, algo peculiar ao Flamengo em
Libertadores. Talvez fosse em outra competição e longe de seus domínios, o
Flamengo optaria por fazer sua ideia de jogo prevalecer, como diante do Grêmio
na Copa do Brasil. Sem desespero, troca vasta de passes, aproximação. Foi o
contrário. A cada passe errado, principalmente de Rodinei ou Jean Lucas, a
arquibancada resmungava. Irritada, xingamentos eram ouvidos. Alguns batiam palma.
O universo rubro-negro, atordoado, parecia sentir que uma vez mais iria
sucumbir à maldição sul-americana.
O
time, então, se lançou à frente de forma desorganizada. Diego abriu demais pela
esquerda, tentando espaço para alçar bolas à área. Marlos caía para dentro,
procurando as costas de Henrique e a área. Everton Ribeiro e Jean Lucas
embolavam à direita com Rodinei, sempre opção. O Cruzeiro sorria. O meio, já de
seu domínio, tinha agora apenas um sobrecarregado Cuellar pela frente. Muito
bem organizado, com jogadores experientes, o time mineiro fez da calma a sua
arma. Saía com inteligência pelo centro, buscava os lados, tentando a inversão
de bola para explorar as subidas de Rodinei ou Renê. Arrascaeta tinha mais
espaço em seu setor. Por ali, Everton Ribeiro foi desarmado por Lucas Silva e o
uruguaio foi lançado. A quebrada ao meio enxergou Robinho na direita, às costas
de Rever e Renê e na cara de um desesperado Diego Alves. O passe saiu no
limite. Thiago Neves, de frente para o gol, cabeceou na trave. O baile era
azul.
Aos
resmungos, o Flamengo achou algumas alternativas ao forçar o jogo pela direita
e conseguir escanteios. Diego, por duas vezes, quase chegou a completá-los na
segunda trave. Rodinei, por duas vezes, bateu fácil em cima de Fábio ao receber
de Everton Ribeiro, em rara oportunidade na qual o camisa 7 conseguiu quebrar
para o meio e achar algum espaço. O Flamengo desceu o vestiário sob vaias, rumo
a um divã. Era incrível como o time racional que apresentou futebol tão bem
jogado e competitivo diante do campeão da América, uma semana antes, falhava,
nervoso e no alçar de bolas, em casa. Seria necessária, talvez, uma mudança.
Trazer Everton Ribeiro ao jogo, abrir a defesa cruzeirense. No segundo tempo,
ela não chegou.
Barbieri
preferiu manter a mesma equipe com uma leve alteração de posicionamento: Jean
Lucas esticado na direita, Everton Ribeiro por dentro. Um diálogo maior entre
seus meias. Até houve maior troca de passes. Mas pouco efetiva. Rapidamente,
Everton caiu à extrema direita, enquanto Jean Lucas voltou para ocupar o espaço
por dentro. O Flamengo, dócil, aceitava a oferta cruzeirense de avançar, não
ser perigoso e dar espaços às suas costas.
A
equipe mineira estrategicamente recuara. Nada de pressão na saída de bola. Mano
queria o contra-ataque, o que deixou claro com a troca do esforçado Barcos pelo
veloz Raniel. Barbieri devolveu com Vitinho na vaga de Jean Lucas. Esticou
Vitinho à esquerda, Marlos à direita, Everton Ribeiro por dentro e Diego mais
recuado, tentando iniciar o jogo. Não deu certo. O Cruzeiro se animou com a
pouca efetividade do meio e voltou a dar botes com facilidade nos meias
rubro-negros. Everton Ribeiro perdeu bola para Raniel, que bateu forte, perto
da trave de Diego Alves. Em avanço de Edilson pelo meio, Cuellar deu pique de
claro esforço e, sem outra arma, o derrubou próximo à área, levando amarelo. A
arquibancada chiava, reclamava. Faltavam, na verdade, pernas. O raciocínio
diminuía diante do cansaço. Os erros aumentavam. O fôlego sumira diante de um
time com sequência tão cruel. Impacta. E Mano percebeu.
Refrescou,
então, os pulmões cruzeirenses. Robinho, amarelado, deu lugar a Rafinha. O
Flamengo avançava, entregava campo às suas costas. E não conseguia acompanhar
um contra-ataque veloz se desarmado. Raniel roubou a bola de Renê e avançou,
fazendo o jogo girar a Rafinha e Lucas Silva. Cuellar e Diego, abatidos,
tentavam algum tipo de combate. Raniel recebeu de novo pelo meio e tocou para
Rafinha na direita. Ele ajeitou a pelota e bateu rasteiro ao meio. Entregue, o
Flamengo apenas assistiu a ajeitada de Arrascaeta para Lucas Silva, livre,
bater forte de fora da área e ver Thiago Neves desviar para o gol. 2 a 0.
Imponente para os azuis. Vexaminoso para os rubro-negros.
As
vaias deram o tom da arquibancada de um Flamengo que, já com Lincoln no lugar
de Marlos, girava o jogo na intermediária e alçava bolas à área, talvez
apostando em uma bola salvadora pelo alto com Uribe, novamente uma negação pelo
chão. Não veio. Com o Cruzeiro bem fechado com cinco jogadores atrás de Raniel,
o jogo estava selado. Partida que teve, de acordo com o Footstats, 62% de posse
de bola rubro-negra, com cinco finalizações no alvo, msmo número do Cruzeiro.
Foram 36 cruzamentos na área celeste. E apenas nove desarmes contra 19 do
rival. Cuellar, sempre destaque no quesito, contou apenas um. Faltaram pernas.
Faltou calma. Faltou raciocínio. Faltou planejamento. Cabe ao clube decidir a
cara que deseja dar a esta temporada. Bater o martelo sobre prioridades. Uma
vez mais, o Flamengo e sua conhecida histeria parecem ter sucumbido na
Libertadores. Uma das três frentes parece já ter virado pó.
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