EL
PAÍS: Sob a pressão de expectativas enormes, de atuações forçosas e da
exigência de um clube mastodôntico distanciado das glórias passadas, um
adolescente carioca viveu os dois últimos anos na mesma velocidade que agora
exibe sobre os gramados com a camiseta do Real Madrid. Na Flórida, em Maryland
e em Nova Jersey, Vinícius Júnior mostrou sinais de um atacante vertical,
profundo e ambicioso. Com uma dose extra de explosão e um vistoso potencial em
termos de imaginação na hora de aplicar sua ginga e seus recursos técnicos.
Também revelou que, por trás desse atrevimento, há um jogador com deficiências
próprias de quem ainda está na etapa de formação.
Em
maio de 2017, Vinícius Júnior treinou pela primeira vez com o time principal do
Flamengo. Quatro dias depois, o Maracanã o recebeu de pé quando entrou em campo
para estrear como profissional contra o Atlético Mineiro de Robinho, o ídolo do
jogador carioca – de quem recebeu a camiseta. Apenas 68 jogos e 14 gols depois,
com 18 anos recém-completados, Vinícius Júnior aterrissa no Real negociado por
45 milhões de euros (171 milhões de reais, no câmbio atual), a segunda
transferência mais cara do futebol brasileiro. O valor só é superado pela venda
de Neymar ao Barcelona pelo Santos.
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Vinicius Júnior, do Real Madrid - Foto: Divulgação |
Tudo
se acelerou de maneira vertiginosa no início de 2017. O jogador virou
celebridade após uma incrível atuação na Copa São Paulo de Futebol Júnior, a
maior competição sub-20 do país. Com 16 anos, Vinícius deixou um belo
mostruário de gols, gestos técnicos e dribles festejadíssimos pelo público da
TV. Logo depois, ele venceu com a seleção brasileira o Campeonato Sul-Americano
de Futebol Sub-17 no Chile, sendo o máximo artilheiro e eleito o melhor do
torneio.
O Flamengo
havia elaborado um plano para introduzi-lo progressivamente na metodologia de
funcionamento do time profissional. Vinícius estreou no Campeonato Brasileiro
com 16 anos e 10 meses. Em maio de 2017, renovou o contrato com o clube por
vários anos como parte do processo de venda ao Real Madrid. Mas seus primeiros
jogos como profissional trouxeram confusão. O lendário Tostão, cuja maravilhosa
clarividência para marcar gols era equiparável à que agora exibe como
colunista, escreveu que parecia que Vinícius, por sua relevância midiática e
sua transferência ao Real Madrid, já havia se transformado em fenômeno mundial
antes mesmo de ser titular do Flamengo. “Vinícius Júnior já é, antes de ser.
Tomara que seja.” As perspectivas de futuro se transformaram numa dura pressão
sobre os ombros de um garoto de 17 anos. Ele driblava quando deveria segurar a
bola; escolhia opções ruins de passe e não tinha pausa; e saía do banco para
entrar no gramado com uma enorme ansiedade, o que bloqueava seu raciocínio
sobre o jogo. Seu primeiro gol só veio em agosto. “Possui uma enorme
velocidade”, escreveu Tostão na Folha de S. Paulo, “[mas] está ainda muito
agitado, apressado, tentando fazer, de cada jogada, um monumento. Tem que
encontrar o momento exato de executar as jogadas decisivas, sem afobação.”
Vinícius
não conseguiu ser decisivo em quase nenhum jogo, mas em 2018 amadureceu. O ano
começou com um paradoxo: cada partida era mais uma oportunidade de ganhar
experiência – e também uma a menos para se despedir de seu clube. Seus
evidentes avanços para entender melhor o jogo começaram a aparecer. Episódios
pontuais, como dois golaços no Equador contra o Emelec, na Libertadores, também
lhe deram confiança e um recorde: o de jogador brasileiro mais jovem a marcar
na competição. Cada vez mais afloravam suas arrancadas, suas fintas
eletrizantes e sua ambição pelo mano a mano. E veio outra virtude crescente: o
garoto é um lince para sair da marcação, acelerando sem a bola rumo aos espaços
livres para dar opções aos companheiros. Fez 18 anos em julho. Teve cinco
treinadores em dois anos, num time marcado pelas turbulências internas e pela
ausência de grandes títulos. Rumo ao Real Madrid, Vinícius Júnior deixou o
Flamengo líder do Brasileirão, e sua torcida órfã de uma referência quase familiar.
Sua aceleração sobre a lateral encarando rivais parece a metáfora de sua
precocidade e de uma meteórica ascensão que agora freará para tentar tomar um
impulso diferente, que desenvolva seu grande potencial.
Planos
de futuro
Dribles
e pedaladas ante o Manchester United e uma preciosa assistência a Marco Asensio
no gol contra a Juventus foram a carta de apresentação de Vinícius Júnior na
temporada norte-americana. No jogo contra a Roma, ele deixou uma sequência de
ações que o definem em apenas 15 segundos: junto à lateral esquerda e
pressionado por um rival, devolveu um passe de calcanhar debaixo das pernas do
adversário, seguido de uma roleta para sair da armadilha. Uma obra de arte que
se desvaneceu quando ele levantou a cabeça, viu um companheiro saindo da
marcação pelo lado oposto e tentou um passe longo que acabou se perdendo pela
lateral muito longe do destinatário.
Em
Valdebebas, não houve surpresa. Nos últimos meses, o Real Madrid preparou
minuciosamente a adaptação de sua promessa brasileira. Primeiro, quando
Vinícius ainda jogava no Brasil, enviando-lhe vídeos para explicar como jogam
seus novos companheiros e a dinâmica do futebol europeu. O Centro de Excelência
em Performance do Flamengo também enviava pontualmente todos os dados
biomecânicos e médicos sobre a evolução do jogador, que desde 2016 cresceu
quase dois centímetros (tem 1m77) e ganhou três quilos de peso, alcançando os
68. A evolução antropométrica e os dados falam de um atleta que adquiriu 10% de
força e potência nesse período, e que também possui agora muita capacidade de
recuperação após intensos esforços repetidos em curtos espaços de tempo. Nada
surpreendente num esportista em desenvolvimento com boa genética.
Além
disso, o Real elaborou um programa de treinamento específico para Vinícius e o
aplica desde a sua chegada. O objetivo é potencializar virtudes e polir
defeitos. O jogador deve, por exemplo, melhorar bastante seu manejo da perna
esquerda e seu jogo aéreo. Também, em menor medida, a qualidade e a tensão dos
lançamentos com a direita correndo. Deverá se esforçar muito para aperfeiçoar
sua capacidade de definição, que pode melhorar em termos de recursos e
agilidade, um fato que o próprio Zico já advertia há pouco na imprensa. Em
termos de compreensão do jogo, o corpo técnico trabalha para que Vinícius
Júnior minimize suas perdas de bola e seja mais seletivo na hora de escolher quando
e como arranca e dribla. Precisa administrar melhor a pausa e se ativar mais
rápido no aspecto defensivo. No momento, Lopetegui não tem queixas, e o garoto
atende como uma esponja.
Ante a
profusão de elementos ofensivos na primeira equipe, contudo, será complicado
para Vinícius somar minutos na elite por enquanto. Tudo vai depender da sua
evolução. Não há prazos estabelecidos, e sim muita paciência. O clube inscreveu
o brasileiro no juvenil “A”, mas o Castilla parece seu destino de competição
imediato. Aos 18 anos, o que ele mais precisa é jogar.
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