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Foto: Divulgação |
JORGE NICOLA: Nunca, na história do Brasileirão por pontos corridos, alguém havia marcado seis gols nas três primeiras rodadas. O feito coube a Grafite, atacante que tem roubado a cena no Santa Cruz. Aos 37 anos, o veterano marcou duas vezes cada contra Vitória, Fluminense e Cruzeiro. Foi o suficiente para o telefone dele disparar com propostas de emprego do Brasil e do exterior. Além da fase artilheira, há outro ponto que justifica o assédio: o contrato dele vencerá em 30 de junho.
“Não renovei, ainda. Existem algumas pendências que devem ser resolvidas semana que vem”, explicou Grafite, em entrevista exclusiva ao Blog. Além de revelar o que o separa da prorrogação do vínculo com o clube do qual é ídolo, o goleador admitiu proposta oficial do Vasco, reconheceu ter ouvido especulações do Flamengo e não fechou a porta para a possibilidade de mudar de ares. Porém, a principal possibilidade, neste momento, seria voltar para o exterior, onde já fez sucesso na França, na Alemanha e no mundo árabe.
Grafite também reconheceu que nunca imaginou ser capaz de disputar uma Copa do Mundo — ele esteve com a seleção brasileira na África do Sul, em 2010 — depois de só virar atleta profissional com 22 anos. Por fim, afirmou que cresceu como torcedor do São Paulo e assegurou que marcaria de novo os dois gols na vitória sobre o Juventus, que impediram o rebaixamento do Corinthians, no Paulistão de 2004. Por causa daqueles gols, ele chegou até a ser perseguido por torcedores do Tricolor, inconformados por ele não ter afundado o arquirrival alvinegro.
BLOG_ Seis gols nas três primeiras rodadas. Dava para imaginar um começo de Brasileirão tão bom para você?
GRAFITE_ Acho que nem o mais otimista torcedor tricolor imaginaria um início tão bacana, tanto para mim quanto para a equipe. A média de dois gols por jogo em três rodadas eu não havia conseguido nem em 2009, na Alemanha, na melhor temporada da minha carreira. Fiz oito gols em cinco jogos.
O que há de diferente entre o Grafite de hoje, com 37 anos, e o de 2009, artilheiro e campeão alemão no Wolfsburg?
Sou mais experiente, conheço melhor os atalhos do campo… Mas já não tenho a mesma explosão. Quem joga do meu lado, atualmente, tem de fazer a correria, como Keno e Arthur. Eu procuro estar mais parado dentro da área para definir as jogadas. Não tem segredo para um centroavante: o negócio é aproveitar oportunidades.
Mas você esperava fazer tanto sucesso na volta ao Brasil?
Quando cheguei, no ano passado, falei que demoraria um pouco para me readaptar. Fiquei quatro anos no mundo árabe, em um ritmo mais amador (Grafite fez sete gols em 15 jogos pelo Santa, em 2015). Mas já foi bacana, porque conseguimos o acesso para a Série A do Brasileiro. Agora, em 2016, estou me sentindo muito bem por causa da pré-temporada.
Qual o papel do Milton Mendes no bom momento do Santa, campeão pernambucano e da Copa do Nordeste?
O Milton exige demais. Qualquer atividade tem de ter alta intensidade, como se fosse um jogo. E é dessa maneira que eu sempre tive os melhores resultados na carreira, porque me condiciono bem. Foi assim com o Leão, no São Paulo, com o Felix Magath, no Wolfsburg…
Pensa em parar quando?
(Pensativo) É difícil dizer. Sempre tive boa genética, o que ajuda a explicar o fato de estar com 37 anos e jogar com frequência. Mas já estou sentindo alguns efeitos da idade. A recuperação entre uma partida e outra é bem mais lenta, então, preciso me cuidar mais para evitar contusões. Aposentadoria depende de muitas coisas.
Como o quê?
A parte física, por exemplo. Eu havia decidido, em janeiro, que, se tivesse muitas lesões, pararia no fim deste ano. Senão, vou prolongar por mais um ou dois. Não quero jogar com o nome nem me arrastando. Felizmente, não tive nada em 2016. Fui poupado só de dois jogos. Em 2015, foi mais complicado: perdi uns cinco no Santa e outros em Dubai.
Tem meta de gols este ano?
Eu sempre faço. Só não falo o número, porque isso cria uma cobrança externa complicada. Mas, no fim do ano, se você me perguntar, eu conto qual era.
Mas a meta é alta? Com seus 14 gols em 24 jogos, você está perto ou longe de conseguir?
Vai ser difícil alcançá-la, porque não marquei muitos gols no estadual (três em 12 jogos). A coisa deu uma melhorada na Copa do Nordeste, na qual fiz cinco gols, e com os seis do Brasileiro, mas está distante. Minha sorte é que ainda tem bastante campeonato para jogar. Além do Brasileiro, a Copa do Brasil e deveremos participar da Sul-Americana.
E que história é essa de aposta para o Brasileirão?
Um amigo me desafiou: se eu não fizer 15 gols no Brasileirão, tenho de treinar fantasiado de qualquer coisa pelo Santa Cruz, em 2017. É óbvio que aceitei e acho que meu amigo já deve estar preocupado com a aposta dele depois desses seis gols…
Seu contrato terminará em 30 de junho e o presidente do Santa tem dito que a prorrogação já está fechada. Renovou?
Não renovei, ainda. Existem algumas pendências, que devem ser resolvidas semana que vem.
Quais pendências?
Luvas prometidas no ano passado que não foram pagas. Sei da situação do clube e não quero explorar ninguém, por isso, tenho paciência. Precisamos acertar antes de assinar o contrato até dezembro de 2017.
Seu nome foi especulado no Vasco semanas atrás. Houve alguma proposta oficial?
Posso dizer que o assédio está grande. O Vasco me procurou, sim, e chegou a fazer proposta, mas preferi ficar. Também houve especulação de outros. Tem muita gente falando de Flamengo, mas ninguém conversou comigo oficialmente. Esse assédio acontece porque se trata de uma posição para a qual muitos clubes precisam.
Você sairia do Santa agora?
Para um clube do Brasil, seria bem complicado. Estou na cidade que escolhi para viver depois de me aposentar. Já tenho casa em Recife há nove anos, a minha esposa (Kelly) é daqui… E tenho bom salário, sou identificado com a torcida…
Nem jogar em um grande de São Paulo ou do Rio valeria?
Não sabemos o dia de amanhã, mas estou feliz. Acho que a procura tem muito a ver com o fato de eu estar jogando em um clube que ficou fora da Série A por dez anos, então, acham que é só chegar e me contratar. Fico contente com o interesse e não posso fechar as portas de maneira nenhuma, até porque tenho uma família por trás, mas a chance maior é de ir para fora.
Entre os clubes que o sondaram, há algum paulista?
Não. Nenhum grande de São Paulo me procurou.
Você ficou quase dez anos fora, na França, na Alemanha, nos Emirados e no Catar. Ainda tem vontade de deixar o país?
Se fosse uma coisa fora dos padrões, aquela proposta impossível de dizer não, eu iria. Sempre me ligam de Dubai, mas não pintou nada que compensasse a mudança drástica que representa a ida para lá em relação as minhas filhas. A China é um mercado novo… Ninguém sabe o que pode acontecer.
E quem cuida disso?
No Brasil, o Heleno Lourenço, que está comigo desde que me descobriu. Foi ele quem me ajudou a me tornar um jogador profissional. Também tem um agente francês que me ajuda com coisas internacionais.
Um jogador fica impedido de mudar para outro clube da Série A se fizer mais do que seis jogos. Há o risco de você pedir para não entrar em campo pelo Santa se demorar a renovar?
São seis jogos?
A partir do sétimo, não pode.
Não penso nisso, até porque tenho relação aberta e de confiança com o presidente. Não é da minha índole fazer isso. Se acontecer algo nesse sentido, chego para ele e abro o jogo.
Vários que ficaram muito tempo no exterior voltaram sob desconfiança. Você passou pelo mesmo no ano passado?
Para falar a verdade, eu nem tinha a intenção de voltar ao Brasil em 2015. Quando vim de férias, em maio, tinha um pessoal do Coritiba tentando me contratar. O Vasco também demonstrou interesse e eu estava com a situação em Dubai indefinida. Aí, estava no restaurante, em Recife, quando um dirigente do Santa se apresentou e pediu meu telefone. A partir daí, foi tudo muito rápido.
Aceitou logo de cara?
O presidente pediu para me encontrar. Eu fui para a reunião mais por educação, porque estava decidido a falar “não”. Na minha cabeça, o planejamento era parar em Dubai. Só que o negócio foi tomando forma, minha esposa e os filhos viram a possibilidade com bons olhos e aceitei o desafio, até por causa da identidade com o clube.
Você só foi iniciar a carreira de jogador profissional com 22 anos, muito tarde para os padrões. Em algum momento, achou que chegaria tão longe?
Nunca. Sou um cara de muita sorte. No Santa, por exemplo, eu não havia conquistado títulos na minha primeira passagem (em 2001 e 2002). Agora, ajudei o time a voltar para a elite nacional, ganhei o Pernambucano e a Copa do Nordeste…
Qual o seu maior momento nestes 15 anos de carreira?
Sinto um orgulho enorme por ter representado o Brasil em uma Copa do Mundo. São só 23 jogadores, né? Ainda mais na minha posição, atacante, extremamente concorrida. Mesmo não tendo ganhado o Mundial de 2010, por causa daquele fatídico jogo contra a Holanda, fico feliz de ter feito parte do grupo. Foram só seis minutos em campo, contra Portugal, mas é uma experiência única.
Tem algo guardado da Copa?
Um monte de coisa: camisa, calção, medalha de participação da Fifa, cachecol… Está tudo guardado em um canto da minha casa, numa espécie de museu que estou montando com coisas que consegui ao longo da carreira. Tem troféu, quadros, camisas de todos clubes pelos quais joguei…
Mas seus maiores feitos foram na Alemanha, né?
Ah, com certeza. Cheguei a fazer testes em muitos clubes, como Guarani, Ponte, Juventus… E não passei em nenhum. Aí, anos depois, consegui ser artilheiro e jogador do ano no Campeonato Alemão, participei de Copa do Mundo, joguei a Liga dos Campeões (ele marcou os três gols da primeira vitória do Wolfsburg no torneio, em cima do CSKA, em 2010).
Por que só conseguiu virar jogador aos 22 anos?
Fui pai muito cedo (19 anos), não dava para ficar só treinando. Precisava trabalhar para sustentar a filha. Cheguei a passar em um teste, no Etti Jundiaí (atual Paulista), mas meu agente pediu R$ 30 mil para liberar meu passe e não houve acordo. Nessa época, eu jogava na várzea e tinha muito moral na região de Campo Limpo Paulista, Jundiaí, Campinas… Foi aí que o Heleno me descobriu e acertou com a Matonense, em 2000. Foi curioso, ele precisou pagar R$ 1 mil para o meu time da várzea, que havia adiantado esse dinheiro para que eu comprasse fralda e outras coisas para a casa.
A passagem pelo São Paulo ficou marcada pelos dois gols em cima do Juventus, que impediram o rebaixamento do Corinthians no Paulistão de 2004 e geraram até perseguição dos tricolores em relação a você. Arrepende-se dos gols?
Fiz o que achei certo de acordo com a educação que meus pais deram. Não me arrependo nem um pouco. Um profissional jamais faria o contrário. Pouca gente sabe, mas o São Paulo sempre foi o clube do meu coração e jogar lá era a realização de um sonho. Um dos melhores momentos da minha carreira foi no São Paulo, no fim de 2004 e no começo de 2005.
Como os corintianos e são-paulinos reagem quando o encontram hoje em dia?
Os corintianos que se lembram me abraçam e tudo mais. Já os são-paulinos também me agradecem pelos títulos que conquistei, mas se recordam dos gols. Mas tudo em tom de brincadeira. Nunca tive maiores problemas com isso, não. Essa rivalidade sadia e sem violência é até gostosa.
Quem é o Grafite fora dos campos?
Um cara caseiro, que adora a família. Já tenho cinco filhos: Maria Luiza, Ana Carolina, Maria Sofia, Maria Cecília e Benício, de oito meses. Já é suficiente para montar um time de futebol de salão. Mas parei. Não quero correr o risco de formar um time de futebol de campo.