![]() |
Arte: Goal.com |
GOAL: No último dia 19 teve início a sétima edição do Cinefoot, o principal festival de cinema de futebol, no Rio de Janeiro. No total são mais de 50 filmes na programação, todos com entrada franca. Além de vários documentários, curtas e longas, a realização de um dia de debates já faz parte da tradição do evento, que termina nesta terça-feira (24), mas conta com uma prorrogação entre 31 de maio e 4 de junho.
O tema debatido neste ano foi tão polêmico quanto apaixonante: “Sem estádio, sem ingresso, sem futebol. Uhhh, cadê o Maracanã, sumiu!”. Na mesa da Faculdade Hélio Alonso, em Botafogo, o jornalista Sergio Du Bocage mediou uma conversa sobre as diferenças entre o novo Maracanã e o antigo, a sua ausência em boa parte de 2016, por causa das Olimpíadas, e a perda (ou não) da alma do estádio. Participaram da mesa: Marcone Barbosa, diretor de marketing do Fluminense; João Henrique Areias, experiente especialista em marketing com passagens por Flamengo e Clube dos 13, além de Renato Martins, diretor do filme “Geraldinos”.
Na conversa, muitas críticas às maiores entidades do futebol brasileiro e reconhecimento de que faltou uma consulta ao povo, sobre qual seria o melhor destino para o Maracanã antes da obra de mais de R$ 1 bilhão para a Copa do Mundo de 2014. Outros problemas, como o calendário e dificuldade para dirigentes se planejarem, foram citados, além de argumentos objetivos e números bem interessantes. Mas é impossível se ater apenas à frieza matemática quando falamos do local que era, para muitos, a maior referência bruta da cultura carioca e brasileira.
A elitização do estádio, com regras de comportamento para os torcedores, foi apontada como o pior dos motivos. E as pessoas presentes ao debate entraram na conversa lamentando o fim do Maracanã. Parecia que estávamos falando sobre um parente ou amigo querido que morreu: um estádio do lado de fora, uma arena por dentro. Como se você comprasse uma fruta que gosta e está acostumado, mas ao morder percebe que o gosto é outro. Muito longe de ser melhor.
A situação do Maracanã retrata todo um histórico de descaso, concentração de decisões erradas e que não pensam no torcedor – que é tão parte do espetáculo quanto os jogadores. O documentário “Geraldinos” deixa isso tudo bastante explícito, como relembra Renato Martins. O cineasta acompanhou, ao lado de Pedro Asbeg (que também dirigiu o filme), os últimos dez jogos da Geral. Anos depois, eles levaram os Geraldinos para o novo Maracanã, construído para o Mundial de 2014.
“Em 2013 a gente levou estes Geraldinos ao Maracanã, já sem a Geral, para conversar e saber o que tinha acontecido com eles. Na época faziam oito anos desde o fim daquele espaço, o mais democrático do estádio”, explicou Renato para a Goal Brasil. “E a gente pôde constatar que o Geraldino não estava mais frequentando o estádio. Eles haviam sido expulsos do Maracanã por causa do valor do ingresso, que era muito caro e eles não podiam pagar. Não cabia dentro do orçamento de um trabalhador que recebe um ou dois salários mínimos. Eles foram excluídos desse momento de lazer no estádio de futebol”.
Sob o controle do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos desde o dia 1º de março, o Estádio Mário Filho foi usado, futebolisticamente, somente para as decisões do Campeonato Carioca em 2016. Os duelos entre Vasco e Botafogo foram o máximo que o torcedor carioca pôde ver. O futuro incerto do estádio, com a incerteza sobre quem vai ser o responsável pela sua administração no futuro, prejudica o bolso dos clubes cariocas, que veem diminuir o seu número de sócio-torcedores – dentre várias outras consequências que influem dentro e fora de campo.
O Rio de Janeiro caiu da terceira para a quarta posição entre os estados com mais sócios. A dupla Fla-Flu, principal usuária do Maracanã, está entre as cinco equipes que mais perderam neste quesito. Somado, o número é de menos 11 mil associados em 2016.
Um dos pioneiros do marketing esportivo no país, João Henrique Areias acredita que tanto o Maracanã quando o futebol brasileiro, como um todo, estão na CTI. Para ele, a mudança no modelo de gestão do esporte precisa acontecer urgentemente: “tanto nos clubes quanto nas federações, temos que profissionalizar, ter mais transparência, seriedade e competência. Não adianta ser transparente, honesto e não ser competente. Tem que trazer gente preparada para mudar, resgatar o que o brasileiro está perdendo em relação ao futebol”.
Um dado alarmante foi levantado durante as discussões. Trata-se do estudo feito pelo instituto Paraná Pesquisas, que apontou que a maior parte dos brasileiros não torce para um clube de futebol. Ao todo, foram 19,4% que disseram não ter nenhuma relação emocional com time algum. Logo depois Flamengo e Corinthians apareciam na lista, com 16,5% e 13,6% da torcida nacional, respectivamente.
O momento requer cuidado, e o próprio nome extraoficial do Estádio Mário Filho dá uma das receitas para começar a virar este jogo. Em tupi, a palavra Maracanã é dividida em dois significados: semente e chocalho. Além disso, dá nome a uma de nossas aves mais belas. Novo ou velho, com geral ou sem geral, é preciso voltar a semear a paixão do torcedor. Dentre os que construíram a história, não temos mais Ghiggia, Didi, Garrincha, Pelé, Zico, Roberto Dinamite e tantos outros em campo. Fora dele (mas só um pouquinho) o ator principal é o torcedor. E a chance deste novo estádio dar certo, deixar de ser frio e ganhar alguma alma, está absolutamente depositada nele.