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Foto: Mauro Cezar Pereira |
MAURO CEZAR PEREIRA: Não foi minha primeira vez no New Maracanan acompanhando um jogo em dia de folga, longe do setor destinado aos jornalistas, pagando ingresso, no meio da torcida mesmo. Na verdade, Flamengo 0 X 0 Botafogo marcou meu retorno em 2016 ao estádio, digo, à “arena” que custou mais de R$ 1 bilhão. E foi desanimador, não pelo aconteceu em campo, mas fora. Os motivos abaixo.
1- Rompendo a velha tradição do futebol carioca, o clássico teve destinados ao time que não detinha o mando de campo apenas 10% dos ingressos. Uma retribuição do Flamengo depois que o Botafogo fez o mesmo no turno. No entanto, o estádio da Ilha do Governador não tem estrutura para a divisão meio a meio entre duas torcidas. Havia motivo, justificativa. Pior, os rubro-negros não consultaram antes a Polícia Militar, que posteriormente, alegando questões de segurança, fechou cerca de 14 mil lugares no setor sul. Seria melhor destinar toda aquela área aos botafoguenses. Tarde demais.
2- Antes de a bola rolar, policiais militares foram homenageados pelos dirigentes devido ao confronto com corintianos na reabertura do Maracanã. Difícil entender o que o Flamengo tem com aquela briga e o que pretende com esse afago na corporação que reduziu a arrecadação em cerca de meio milhão de reais ao fechar todo o sul. Uma área que os cartolas da Gávea esperavam lotar com sua própria torcida.
3- Alguns minutos antes do jogo, um Play-list roda músicas em volume ensurdecedor, impedindo que as torcidas ouçam uma à outra, cantem, se provoquem, como nos velhos tempos. Como se fosse pouco, um locutor se esgoelava em incontáveis decibéis, “brigando” com os cânticos que vinham dos locais onde no passado estavam as monumentais arquibancadas do velho Maraca. Um anticlímax absurdo, tornando ainda mais fake e sem atmosfera uma torcida bem diferente da que lota o aeroporto, meio plateia e sem bandeiras e instrumentos devido à proibição pelo STJD de organizadas do Flamengo até o fim do ano. Ajudaria dispensar o DJ uma hora antes da peleja e orientar o locutor para falar menos, bem menos, num volume que não agrida tímpanos.
4- Mas não é só lá. Estádios e arenas pelo Brasil vêm sendo contaminados por uma série de bobagens que parecem inspiradas em ginásios da NBA, locais em geral ótimos pelo que acontece na quadra. Mas chatíssimos pelo entorno, com vários torcedores abobalhados, mais preocupados em comer, beber e aparecer no telão. Então surgem “atrações” típicas dos americanos, como a constrangedora cena exibida para todo o público no intervalo nos LCDs de trocentas polegadas do New Maracanan: um policial militar pedindo a mulher em casamento.
A cena, patética, substituiu aquele aquecimento que as torcidas faziam instantes antes de os jogadores voltarem a campo, cantando, esquentando o clima para empurrar a equipe na etapa final. Ao invés de gritos de “Mengo” e “Fogo”, gargalhadas dos que conseguiram achar graça na bizarra cena que deveria ser compartilhada apenas pelo casal e talvez caísse bem num desses programas popularescos de TV. Tais gracinhas são obra da “Estádio TV”, empresa que opera o conteúdo que vai nos telões dessas novas arenas pelo Brasil e adora pataquadas como essa e a famigerada “Câmera do Beijo”.
A conclusão é que o New Maracanan hoje tem menos atmosfera do que antes da longa parada olímpica. Mando de campo, pressão no visitante, clima favorável a quem atua em casa, tudo isso está bem distante por ali. As ações de inspiração americanizada poderiam ser substituídas por iniciativas mais brasileiras. Que tal o clube aproveitar o “entrosamento” com a PM do Rio, após nota oficial de apoio e homenagens, e reivindicar liberdade para torcer? Papel picado, fumaça colorida, bandeiras…
Sim, bandeiras. Se as organizadas não podem levá-las, por que os demais torcedores não as empunham mais? O (infelizmente) extinto movimento Legião Tricolor promovia um bandeiraços em jogos do Fluminense. Era sensacional, com panos tricolores de todos os tamanhos sendo agitados. Será que também proibiram isso? Se as torcidas punidas pelo STJD não podem carregar instrumentos, outros rubro-negros também não? Que tal largar de vez o manjado e frio mosaico e distribuir milhares de apitos para pressionar o rival quando tiver a posse de bola? Por que o Flamengo não tenta viabilizar tudo isso? Que tal se esforçar para que sua torcida possa de fato torcer?
Algumas medidas do gênero, um cala boca no falante locutor e um basta em papagaiadas no telão ajudariam a fazer a arena parecer estádio. A experiência seria mais autêntica, emocionante, e o 12º jogador poderia ressuscitar. Sábado havia uma faixa onde se lia “Flamengo” no setor norte e infláveis levados por torcedores comuns. O clube obteve aprovação da PM, o mesmo ocorreu com o mosaico no jogo ante o Corinthians. As músicas do sistema de som eram relacionadas a cânticos da torcida, ligadas ao clube e sambas-enredos. Ok, ainda assim pode ser feito mais, e melhor. Quem esteve no setor de imprensa ouviu a torcida do Botafogo, em absoluta minoria, cantar mais alto em vários momentos.
Mas também existem velhos problemas das organizadas. As finais do basquete foram prejudicadas com a adoção de torcida única depois da pancadaria entre Raça Rubro-Negra e Jovem em pleno ginásio. E na arquibancada é comum que as duas e outras cantem músicas diferentes, dividindo o grito e esfriando o clima. A barra do Flamengo, Nação 12, não cresceu como os grupos inspirados em hinchas argentinos e que hoje dão o ritmo no apoio a Fluminense (Bravo 52), Botafogo (Loucos) e Vasco (Guerreiros do Almirante). Em suma, o Flamengo é um tanto refém de suas torcidas organizadas divididas, que brigam entre si e não ajudam o time como deveriam.
É trabalho a ser feito pelo clube levar para o estádio a atmosfera do aeroporto, do AeroFla. É preciso entender a cultura da arquibancada e esquecer a tola inspiração dos esportes americanos, onde o ambiente é outro e o torcedor muito diferente. Se antes quando algo não ia bem o Flamengo atribuía a responsabilidade ao consórcio, agora é ele próprio a adotar medidas americanizadas que fazem o estádio ter cada vez mais cara de arena, com climinha de NBA. Não demora e o tal locutor animadão vai puxar o grito: “Defense!” “Defense!” “Defense!”