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Foto: Tossiro Neto |
MEIA ENCARNADA: A febre acrílica originada pela epidemia de novas arenas provocou uma elitização galopante em todos os cantos do Brasil. O Allianz Parque (eternamente Palestra em nossos corações) é um expoente drástico desta realidade amarga, dos ingressos mais caros do país, que inclusive sofreram AUMENTO para a reta final do Brasileiro – a cadeira central agora custa 400 reais. Com este valor, dá para ir e voltar de avião para muitos lugares do Brasil. E, sem pagar sequer um centavo, também dá para transformar um aeroporto em um estádio de verdade.
Quem dera o valor do ingresso fosse o único problema. É voz corrente entre torcedores paulistas, mas que ecoa em outros estados, que São Paulo é o túmulo do futebol, pelo menos quando falamos de festa na arquibancada. Não pode mais bandeira. Não pode mais instrumento. Não pode mais sinalizador. Xingamentos são respondidos com olhares aflitos – não pela situação do jogo, mas pela indelicadeza – que parecem dizer: “Há um selvagem entre nós”. Consuma sem pudor, mas torça com moderação. Temos novas arenas, então agora somos civilizados. Comporte-se enquanto sobe estas escadas de mármore. Celebre a civilização enquanto ergue este mosaico organizado pela direção do clube. Afinal, ninguém anda sem camisa e vociferando impropérios em Wimbledon.
Não satisfeitos com a transformação do estádio propriamente dito em uma maquete sem cheiro, sem suor e sem fúria, eles esticaram o olho para a rua, onde a barbárie teimava em se fazer notar. Como o presidente do Palmeiras, que pretende “resolver” a situação do entorno do Allianz Parque com um CERCO ao estádio. A situação, no caso, geralmente é a multidão de torcedores que se reúne para cantar e chacoalhar bandeiras. Ou seja, para fazer o que antigamente faziam os frequentadores de estádios: torcer.
Quando quem torce é impedido de torcer em determinada situação, obviamente não deixará de torcer. Vai procurar outro lugar. Se fosse apenas um cliente, como atualmente o torcedor é tratado, trocaria de loja, de banco ou de restaurante. Mas o gene do concreto é persistente e está ligado à capacidade de resistência. Serão necessários séculos de pipoca gourmet até que cheguemos no último dos moicanos empunhando suas cores numa vara de bambu, fugindo pela mata enquanto equilibra um copo de cerveja quente. É a condição humana: migrar e adaptar-se para sobreviver. Neste caso, a condição humana aplicada à cultura da arquibancada. E o recado parece claro: quando fecharem todas as catracas, quando bloquearem todas as ruas, ainda teremos os aeroportos. Não para fugir, mas para permanecer.
Dá para contar nos dedos de uma mão as festas que tivemos em estádios brasileiros comparáveis ao que a torcida do Palmeiras protagonizou no aeroporto de Congonhas, para dar aquele AGUANTE derradeiro à equipe antes do trepidante embate com o Galo, assim como já havia feito a torcida do Flamengo naqueles dias em que ainda era possível sentir o cheirinho, além de outras comoções aeroportuárias realizadas por outros torcedores. Palmeirenses, rubro-negros e outros tantos fizeram o que fazem as torcidas. Aquilo que tristemente já nos causa certa surpresa pelo inegável fato de que é um comportamente gradualmente extirpado de seu templo mais representativo: o estádio.
Quem acredita não depende do altar. A divindade para a qual o torcedor bate cabeça está presente tanto na arquibancada quanto na sarjeta, na mesa de plástico do bar ou ao lado do balcão de CHECK-IN. Qualquer lugar é propício para a liturgia dos que resistem. Numa época em que nossas antigas catedrais pagãs viraram shoppings centers não chega a causar estranhamento que os aeroportos se transformem em arquibancada. Decolar é preciso, mas a catarse é fundamental.