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Foto: Divulgação |
REPÚBLICA PAZ E AMOR: Por Jorge Murtinho
Minha mãe nunca se interessou por futebol. Entretanto, enquanto se desdobrava para impor o mínimo de disciplina àquela dúzia de familiares e deixar a casa em ordem, ela pescava uma ou outra discussão futebolística e vez em quando se arriscava em alguns poucos palpites. Minha mãe desconfiava da vantagem ou desvantagem de jogar em casa ou na casa do adversário, e indagava: se a bola é igual, se o campo é do mesmo tamanho, se é lá dentro que as coisas se decidem, que diferença faz o jogo ser no Rio ou na Cochinchina?
Sabendo que qualquer tentativa seria vã, meu pai e meus irmãos sorriam amarelo e saíam de fininho. Mais paciente, eu tentava explicar que o apoio da torcida servia como combustível extra para a autoconfiança dos anfitriões e intimidava os visitantes, que juiz e bandeirinhas costumavam sucumbir às pressões, etc. Minha mãe não se dava por vencida e, teimosa, mantinha sua contrariedade.
Juro que às vezes eu também não entendo, mas o futebol quase nunca é racionalmente explicável e facilmente compreensível. Fechando seu ciclo de jogos em casa na fase de grupos, o Flamengo conseguiu sua terceira convincente vitória. E o curioso é que, na condição de visitante, o time também jogou bem melhor que seus dois adversários, só que perdeu as duas partidas. As discutíveis explicações que eu tentava dar à minha mãe continuam valendo, mas por que a bola entra aqui e não entra lá é algo que permanece sob certo mistério.
Para quarenta milhões de pessoas que se habituaram, pelo menos nessa década, a ver o Flamengo tenso e desorientado em momentos embaçados dos jogos, foi bacana observar como o time reagiu após o empate da Universidad Católica. Tomou o gol na segunda jogada perigosa do adversário – que eu me lembre, foram apenas duas durante toda a partida – e partiu atrás da vitória com serenidade, como se ela fosse consequência natural do eficiente futebol jogado por um time muitíssimo bem arrumado dentro de campo.
Ainda temos problemas – que não serão resolvidos se insistirmos em tapar o sol com a peneira – e quem acompanha o blog sabe o que penso a respeito de certos jogadores e de algumas escolhas técnicas. Porém, não faz meu estilo acreditar que estou sempre certo, e prefiro mil vezes errar com o Flamengo ganhando do que acertar com o Flamengo perdendo. Rafael Vaz voltou do banco jogando sério e parece ter se convencido de que jamais será Frank de Boer. Considero-o um zagueiro lento, da mesma forma que um dos pontos fortes de Réver não é a velocidade. Mas, e daí? O Atlético Mineiro levantou a Libertadores de 2013 com um miolo de zaga lento – Leonardo Silva e Réver. Aliás, o Atlético Mineiro levantou a Libertadores perdendo, na semifinal e na final, os dois jogos de ida por dois a zero.
Contra a Universidad Católica, o Flamengo esbanjou organização. Não acho que levamos o gol por culpa de fulano ou sicrano: às vezes esquecemos que do outro lado estão adversários que, mesmo não sendo o Real Madrid ou o Bayern de Munique, têm lá os seus méritos e querem vencer tanto quanto nós. Além do espírito coletivo e do equilíbrio demonstrados dentro de campo – sobretudo, repito, após o gol de empate, situação que costumava nos transformar na conhecida farândola do Capitão Nascimento –, Guerrero fez uma partida como há muito eu não via um atacante rubro-negro fazer, Willian Arão, Pará e Rodinei foram muito bem, e houve o capítulo especial chamado Márcio Araújo.
Em 29 de novembro de 2016 publiquei um post crítico dizendo que aquela era a última vez em que eu falava do Márcio Araújo. Mas ele está merecendo. O conceito permanece: por mais que desarme, cubra e corrija falhas alheias, tenho imensa dificuldade em aceitar meio-campista que não participa das ações ofensivas – eu e os maiores times do futebol atual, que já abdicaram desse tipo de jogador. Porém, é justo reconhecer que Márcio Araújo tem jogado bem desde a partida contra o Santos, na penúltima rodada do Campeonato Brasileiro do ano passado, inclusive se mostrando – pouco, é verdade – mais confiante nas ainda raras infiltrações.
Não será fácil encarar o ressuscitado San Lorenzo – ter o Papa como torcedor não deixa de trazer suas vantagens – no estádio El Nuevo Gasómetro. Mas, apesar de ainda precisarmos evoluir em tantos aspectos, jogos como o de ontem nos deixam confiantes de que o Flamengo vai chegar. E acho que está na hora de provar que minha mãe talvez tivesse razão.