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Torcedor do Flamengo no Estádio Mané Garrinch, em Brasília – Foto: Júlia Mesquita |
LINKEDIN: Por André Monnerat
Foi se não me engano na madrugada de sexta pra sábado que o Flamengo bateu a marca de 100 mil sócios-torcedores no ranking publicado no site do Movimento por um Futebol Melhor. Não sou grande fã desse ranking – os critérios de cada clube na contabilização são muito diferentes, assim como os próprios programas, e ele acaba estimulando uma comparação de laranjas com bananas, embora também tenha sua importância na comunicação -, mas claro que fiquei feliz com a marca.
Estive diretamente ligado ao programa nos últimos quatro anos; primeiro como Gerente e depois Diretor de Conta na CSM entre 2013 e 2014; e depois como Gerente de Programas de Relacionamento e Marketing Digital no Flamengo, até pouco menos de um mês atrás. Não peguei desde o início-início mesmo – o produto já havia sido desenhado quando cheguei lá -, mas participei de quase toda essa história.
Embora não se deem muito conta disso, principalmente no Brasil, o negócio dos clubes de futebol é produzir conteúdo de entretenimento – não é um negócio tão diferente em sua natureza dos da Disney ou do Rock in Rio, por exemplo. O que os programas de sócio-torcedor se propõem a oferecer é uma conexão diferenciada dos torcedores com este conteúdo, justificando o pagamento de uma mensalidade que se torna receita recorrente para o clube. Quanto maior o interesse geral do público pelo conteúdo produzido – no caso: jogos, competições, ídolos e as histórias geradas ao redor -, maior a chance do público considerar se fidelizar em torno dele. E aí cabe ao clube aparecer com a oferta certa para isso, pelo canal certo, de forma eficiente, para impulsionar o resultado.
No caso do Flamengo, mesmo com os grandes desafios gerados pelas mudanças constantes de local dos jogos, o Nação Rubro-Negra já é maior que qualquer patrocínio; como fonte de receita isolada, fica atrás apenas dos direitos de TV. E administrá-lo é como gerir uma empresa: envolve comunicação, força de venda, TI, atendimento, operação logística.
O Flamengo saiu atrás de outros clubes – foi o último dos grandes a ter um programa do gênero, a partir de 2013 -, mas aprendeu bastante desde o lançamento. Há muitas particularidades com que se lidar quando se monta um programa de fidelidade ligado ao futebol, ao modo dos clubes se organizarem internamente e às incertezas dos placares dentro de campo. Mas muita coisa mesmo é comum a qualquer produto de assinatura e se ganha bastante aprendendo com quem faz sucesso em outros segmentos.
Claro que o resultado depende do desempenho do time, do estádio em que vai jogar, do calendário do futebol. Mas depende também da eficiência do funil de conversão e do trabalho com mídia online, tanto paga quanto orgânica. Netflix é um benchmark, quem faz bem e-commerce também é. Em dado momento buscamos consultoria de gente que trabalhou com grandes players de varejo online e passamos a ter um acompanhamento diário de cada fonte de aquisição, em cada etapa.
Vimos que é possível diversificar os canais de venda para além do online. O televendas e os vendedores nas lojas oficiais do Flamengo se tornaram importantes. E aí também não é tão diferente de trabalhar com força de venda em outros segmentos: demanda proximidade, treinamento constante, ações de incentivo, criação de ofertas.
Meio de pagamento é algo crítico, não só na aquisição como na manutenção do sócio-torcedor. Tem muita gente por aí especializada em pagamentos recorrentes com conhecimento a dividir sobre gateways, adquirentes e etcéteras para diminuir taxas de erro, antecipar problemas, ser eficiente na recuperação. Gastamos um bom tempo quebrando cabeça com isso também.
Mas é claro que dá pra se aproveitar do sentimento que o torcedor tem pelo clube, que é diferente da relação com outros tipos de produto. Aprendemos também como fazer ações recorrentes com member-get-member que fizeram diferença no resultado.
Sempre há onde evoluir e como melhorar. O aplicativo mobile do programa saiu recentemente e é uma ferramenta importante a ser trabalhada para aumentar o engajamento com o produto. CRM para além da automatização de algumas mensagens pode fazer diferença (e na verdade os clubes no Brasil, de modo geral, não sabem nem dizer quantos são os seus compradores de ingresso, quantos vão em todos os jogos, quantos são eventuais… – o Flamengo passou a ter oportunidade de aprender isso a partir deste ano, podendo assumir toda a operação de ticketing de suas partidas). Dá pra ter e desenvolver ideias boas em torno de gamificação também.
Há ainda um grande desafio colocado: em todos os clubes, o produto gira muito em torno da fidelidade no estádio; como fazer para trazer pra dentro o torcedor que mora longe e não tem oportunidade de ir pessoalmente aos jogos com frequência? Não há nenhum grande caso de sucesso deste tipo no Mundo – mesmo clubes globais têm suas bases de sócios bastante localizadas em suas cidades, com programas fortemente ligados à aquisição de season tickets -, mas encontrar uma fórmula para isso seria ainda mais importante para o Flamengo, pelo tanto que sua torcida é espalhada por todos os estados brasileiros.
O caminho, além de buscar parcerias com empresas dispostas a gerar negócios oferecendo vantagens aos sócios-torcedores e fazer ações nas cidades por onde o time passava para atuar como visitante, foi procurar oferecer exclusividade e facilidade também na experiência que o torcedor tem nos demais pontos de contato com o clube além do estádio, com benefícios nos momentos de ver os jogos pela TV, de se informar sobre o time, de comprar a camisa e outros produtos oficiais. Não é tão fácil, pois são canais que não são administrados diretamente pelo clube e têm suas lógicas próprias de negócio. Mas hoje o percentual de sócios-torcedores de fora do Rio já é muito relevante e a receita gerada por eles tem a ordem de grandeza de um patrocínio secundário de camisa, mas todo mundo sonha com mais.
Quando deixei o clube, havia ao menos duas novas apostas já em andamento, embora em estágio inicial, para potencializar o resultado nos demais estados sem demandar riscos maiores com grandes investimentos: o projeto de Embaixadas e Consulados, que passou a ser diretamente ligado ao programa para criar canais locais de engajamento a partir de seus torcedores mais apaixonados, que passam a se tornar representantes; e a entrega de conteúdo exclusivo em vídeo online, em linha com iniciativas de diversos clubes europeus, como Bayern e Manchester United – tendo como diferença colocar isso ligado ao programa de sócios e não como produto totalmente isolado. Em ambas, há muitos testes e muito trabalho de formiguinha a ser feito para validar e ajustar as ideias e ir aumentando o alcance. Mas há desafio não só no desenvolvimento do produto em si, mas também na sua comunicação: não é fácil impactar o suficiente os torcedores espalhados por todas as regiões do país sem um investimento mais relevante.
Hoje tem muita gente boa envolvida com este trabalho, na Gávea e nos parceiros – CSM, Esporte Interativo, AmBev, Lojas Oficiais do Flamengo, HPMais, Cobrart e outros também foram bastante importantes na trajetória. Realmente acredito que ainda vão bem mais longe que estes 100 mil.