RODRIGO
MATTOS: Após seis anos como presidente, Eduardo Bandeira de Mello deixa o
comando do Flamengo em 2019. No saldo da sua gestão, houve uma recuperação
econômica que reduziu a dívida do clube de R$ 750 milhões para um valor pouco
acima de R$ 300 milhões ao final de 2018, além de melhorias patrimoniais como
dois CTs. Em contraponto, uma escassez de títulos que levou apenas à conquista
da Copa do Brasil em 2013 como conquista relevante.
A
eleição que vai eleger seu sucessor ocorre neste sábado e tem como principais
candidatos Ricardo Lomba, da situação, e Rodolfo Landim, da oposição. O
primeiro defende feitos da atual gestão, embora pregue mudanças na gestão do
futebol. O segundo critica falta de cobranças e resultados do time, colocando a
ausência de títulos na conta de Bandeira.
Eduardo Bandeira, Presidente do Flamengo - Foto: Gilvan de Souza |
UOL – Qual o balanço que faz de sua
gestão?
Bandeira
– De maneira geral, saio de consciência tranquila de que fiz o melhor que pude.
Flamengo evoluiu nestes seis anos, financeiramente nem se fala. Pegamos o
Flamengo em situação caótica. Passivo era ético e moral. Isso conseguiu ser
revertido e hoje o Flamengo é transparente. Nosso faturamento foi multiplicado,
patrimônio líquido será positivo pela primeira vez na história. Pode ser
auditado pelas ''Big Four'' (empresas de auditoria). Em termos gerenciais,
Flamengo está em situação invejável o que é impensável há seis anos. Revolução
jurídica deixou para trás 600 ações trabalhistas, acabaram penhoras. Neste
particular, Flamengo evoluiu bem. Falando de futebol, Flamengo voltou a ter
condições de atuar no mercado graças à solidez no mercado, a gente pode
investir e trazer jogador que não podia. (Fizemos) Trabalho de base que apesar
de ser de longo prazo, já formamos jogadores. Construímos dois CTs, por conta
disso, nossa base vai ter o melhor centro de base. Ou seja, o clube evoluiu
muito. Pergunta: estou satisfeito? Não, porque gostaríamos de ter resultados
expressivos no futebol. Tenho certeza de que é uma questão de tempo. Porque
futebol não é ciência exata. Você sabe o que te leva a melhorar e o que
melhorou. Antes, estava satisfeito por não cair à 2ª divisão. Agora, fica
insatisfeito com melhor campanha da história (nos pontos corridos). Quando eu
estava na arquibancada, eu gritava ''Libertadores, qualquer dia estamos aí''.
Agora não grita porque sempre está. Temos que continuar nesta rota e vamos ser
campeões.
UOL – Por que esse trabalho não se
transformou em título? Houve falhas? O que faltou?
Bandeira
– Acho que é uma questão de tempo. É natural. Já se vê a melhoria de
desempenho. Hoje (Brasileiro-2018) podia ser campeão com essa pontuação.
Tivemos uma série de problemas, arbitragem, gols perdidos. Se o Flamengo fosse
campeão, não teria sido injusto. Não dá para a gente garantir. Palmeiras tem um
padrinho, ou melhor uma madrinha, que garante o provimento de recursos
ilimitados. Flamengo tem que gerar recursos com o seu próprio negócio. Não
diria que não deu certo.
UOL – Há uma crítica constante de que
faltou cobrança no futebol. Faltou cobrança por melhores resultados?
Bandeira
– Não falta cobrança. Discordo disso. Existe entre jogadores, da diretoria com
os profissionais, dos profissionais com jogadores. O que não existe é
humilhação, achincalhe. Algumas pessoas gostariam que expusesse jogadores e
desse bronca pela imprensa, fizesse um discurso de esporro coletivo para todo
mundo ouvir. Não se expõe jogadores. Eu não admito humilhação de jogador do
Flamengo. Por isso algumas pessoas mal intencionadas falam que são queridinhos
do presidente. Não existe desrespeito, mas cobrança tem.
UOL – Em determinados momentos, o senhor
teve reações destemperadas com torcedores, fez gestos. O senhor entende que foi
correto?
Bandeira
– Não é com a torcida, é com determinados torcedores. Se botar todos os
episódios, são no máximo uns dez. Teve um de Florianópolis, Campinas, agora
esse que eram seis na Gávea. Teve um no último momento do Atlético-PR que
inventou que foi agredido por segurança e não foi. Não foram tantos. Várias
vezes fui agredido verbalmente, quase agredido fisicamente em aeroporto. Sou de
carne e osso, não sou sangue de barata. Não sou um lorde. Se você me perguntar
se eu repetiria? Não repetiria porque não adianta nada. Mas foi a reação
natural.
UOL
– Há uma discussão sobre quem é responsável pela recuperação financeira
do Flamengo. No grupo original, havia pessoas da oposição e da atual situação…
Bandeira
– Ficaram 2013 e 2014 (oposição). Dois anos e alguns meses. (Diz que a exceção
foi Claudio Pracowinick com quem diz não ter nenhuma desavença). E não é
verdade que eu não cumpri acordo porque o Landim falou para eu ser candidato à
reeleição. Quando o (Luiz Eduardo) Bap saiu em 2015, fizeram um grupo, os
quatro mudaram de ideia e faltava um mês de meio para inscrição da chapa. Não
fazia sentido ali o grupo já estava montado. Me parece óbvio (quem foi
responsável pela recuperação) se este grupo no final do mandato dizia que não
tínhamos condições de conseguir patrocínios, nossas projeções não faziam
sentido. Conseguimos tudo que propusemos, e mais do que isso. Vi entrevista do
Landim dizendo que participou da renegociação de dívida do Flamengo. Nunca
houve renegociação. Nosso diretor escalonou a dívida. O Profut que foi tocado
por mim. Não porque eu seja o ''pica das galáxias'', mas porque o presidente do
clube que tem que negociar. Não por que é o Eduardo, foi o Flamengo e eu era o
representante. Dívida vencida, impagável, trocou por Refis, de um dia para
outrO, reduziu em R$ 100 milhões e foi escalonado em 20 anos. Dívida bancária:
pagamos. Vai ficar em R$ 26 milhões no final de 2019.
UOL – Qual a redução da dívida ao final de
2018?
Bandeira
– Levantamos com Ernest & Young R$ 750 milhões quando apuramos a dívida
(quando assumiu). Com outros esqueletos, chegava a R$ 800 milhões. Hoje, está
em R$ 300 milhões e poucos, sendo R$ 240
milhões com o governo. A grande questão nas eleições anteriores era de dívida.
Agora estamos no período eleitoral e não se fala de dívida. Isso foi fruto de
vontade política.
UOL – Voltando ao futebol, a diretoria não
trocou excessivamente de técnicos?
Bandeira
– Se pudesse voltar atrás, teria de fazer diferente. Não é um problema do
Flamengo. É um problema do futebol brasileiro. Infelizmente, tem essa cultura
que não é exclusiva do dirigente. Se perder três partidas, terá um repórter
perguntando se ele está confirmado. É uma cultura que todo mundo faz parte.
UOL – Mas não foi fruto de escolhas ruins
de técnicos da diretoria?
Bandeira
– Nenhum treinador que chegou tinha avaliação negativa. Alguns não performaram
tão bem quanto antes. Não era o problema do técnico.
UOL – O senhor acaba o mandato sem ter
resolvido a questão do estádio: se o Flamengo vai optar pelo Maracanã ou
estádio próprio? Por que esta questão não está encaminhada?
Bandeira
– Em 2012, ninguém imaginava que Flamengo poderia resolver isso e administrar o
Maracanã. Um clube como Flamengo nunca teria condições de participar da
licitação. Foram impedidos porque não tinham capacidade de administração.
Maracanã não sobrevive sem o Flamengo. Se não puder ter a solução sobre o
Maracanã, vai partir para a solução própria. Por isso, o clube assinou uma
opção de compra de terreno que temos 10 meses (em terreno na Barra da Tijuca,
atrás do Via Parque). Temos como avaliar a viabilidade. Se entendermos que é
interessante, temos condições de comprar o estádio. Em 10 meses é o tempo para
resolver a situação do Maracanã. Se entender que é o melhor o Maracanã, parte
para essa solução.
UOL – Mas a informação que tenho é de que
esse terreno tem um valor bem superior à primeira opção na Avenida Brasil. O
clube tem como arcar?
Bandeira
– Não posso confirmar o valor. É um valor consideravelmente maior (do que o da
Av. Brasil). Em compensação, a área é mais valorizada. Principal problema da
Avenida Brasil era a alça (viária que será feita pelo governo do Estado e
atrapalha o terreno). Houve a questão da violência também. Para mim, o que
atrapalhou foi a alça. Segurança podíamos resolver. Decidimos não seguir em frente.
Flamengo tem condições de comprar o terreno (da Barra). A situação do clube
permite postular um financiamento de longo prazo. Pode agregar parceiros que
possam participar, pode vender cadeiras perpétuas, naming rights. Localização
na Barra melhora muito esses aspectos.
UOL – Qual foi o legado dessa
administração e no que falhou?
Bandeira
– Não sou eu. Todas vezes que falo que é sobre trabalho da diretoria. Sou parte
da equipe. Existe muita gente comigo aqui. Não só como os vices-presidentes.
Nosso mérito foi a profissionalização do clube. É minha insatisfação como
torcedor, que é como torcedor.
UOL – A partir do momento que teve
recursos, o Flamengo contratou jogadores e alguns deles não deram certo apesar
do alto investimento. O sistema de contratações do clube funciona?
Bandeira
– Isso você vê em qualquer clube. Em todas as contrações, nem todas vão ter o
mesmo grau acerto. Será inerente à atividade. Há a questão de adaptação que tem
no Brasil. Tem jogadores que se adaptam melhor do que outros. Há investimentos
que são acertados, e outros não. Estamos trabalhando para minimizar essa
incerteza. A gente está procurando otimizar cada vez mais. Trouxemos um
especialista que trabalha com o Manchester City, Sandro Orlandelli. Procura
minimizar os possíveis erros. Mas acabar não tem como.
UOL – O que você fará da vida após o
mandato? Pretende trabalhar no futebol?
Bandeira
– Não é conveniente um ex-presidente ficar dando palpite porque não vale a pena
ter sombra. Estou avaliando algumas possibilidades. Vou fazer algumas coisas
como exame médico, cuidar da família. Se não vou trabalhar no Flamengo, não vai
ser em outro clube. Sempre fui crítico de entidade então não faz sentido. Vou
continuar estudando. Vou conversar com vocês na área acadêmica (de futebol).
Quero ter tranquilidade para avaliar com calma. Não preciso ter urgência.
Talvez possa trabalhar com consultoria no futuro aproveitando a experiência em
assuntos que lidei no BNDES.
UOL – E na vida política do clube?
Bandeira
– Sou conselheiro do clube, mas não pretendo ficar assim com aquele
protagonismo de quem quer derrubar o presidente ou aparecer para futura
eleição. Cumpri meu ciclo. Dei minha contribuição. Vou continuar
sócio-torcedor, anjo da guarda. E ajudar no que for demandado. Vivi seis anos
de forma intensa o clube.
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