REPÚBLICA PAZ E AMOR: Por Arthur Muhlenberg
É ponto pacífico que ninguém decide torcer para um time de futebol pensando em se divertir. Recente estudo da Universidade de Sussex mostrou que a tristeza provocada pela derrota é muito mais duradoura que a efêmera alegria pós-vitória. O estudo apontou que torcedores ficam duas vezes mais tristes quando seus times perdem do que felizes quando seus times ganham. Os cientistas chegaram à conclusão de que torcer nos deixa tristes; sendo assim, é irracional torcer por um time de futebol.
O importante estudo não serviu apenas para propiciar o pagamento dos boletos dos ilustres pesquisadores que o consignam, mas também teve o mérito de ombrear, pelo compartilhamento da irracionalidade, o futebol à religião*. E entre todas as multidões de religiosos irracionais do mundo será difícil encontrar uma que seja mais fervorosa e crente em intervenções diretas de Deus ou deuses no curso natural dos acontecimentos que a multidão chamada Torcida do Flamengo. Ou seja, a entidade beneficente sem fins lucrativos Torcida do Flamengo é irracional ao quadrado. E o digo sem clubismo.
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Torcida do Flamengo – Foto: Divulgação |
Dado o estado da maionese rubro-negra, quase arruinada naquela noite macabra no Maraca, tem que ser mesmo um pouco irracional e muito religioso pra nutrir esperanças de classificação. Não nos enganemos, por mais sem vergonha que seja o time do Cruzeiro, e esse Cruzeiro é de uma sem-vergonhice atroz, é uma missão extremamente foda ganhar dos caras lá. Há de existir registros históricos em que o Flamengo se classificou na casa do adversário tendo que tirar três gols de diferença, ou dois pra levar pros penais, mas eu não me lembro. Contudo, é de conhecimento geral que minha memória é uma merd* e que no futebol a história tem seu peso, e que essa História com H maiúsculo está sendo mudada a cada instante. O Flamengo não está condenado a repetir fracassos continentais ano após ano como um Sísifo em chuteiras rolando um pedrão montanhas das estatísticas acima.
Ainda mais porque nesses momentos de perrengue máximo, estreitíssima faixa em que o rubro-negro costuma operar com grande desenvoltura, a etiqueta recomenda que se desprezem as estatísticas. Nessas horas o rubro-negro, como o jovem Simba, ri na cara do perigo. Nessas horas o rubro-negro acredita mais em si mesmo do que nos próprios deuses pelos quais roga por milagres de discutível aferição.
E mesmo que alguns religiosos só acreditem na classificação do Flamengo caso ocorram no Mineirão eventos que, à luz dos sentidos e conhecimentos até então disponíveis, não possuam explicação científica, desafiem e violem as leis naturais que regem os fenômenos ordinários, tipo Rodinei acertar um cruze ou Marlos Moreno concluir uma porr* de uma jogada, a enorme massa de 40 milhões de crentes convictos no triunfo do Flamengo rindo na cara do perigo os transforma em minoria insignificante.
É melhor ser alegre que ser triste. Contrariando os acadêmicos de Sussex, o torcedor rubro-negro, ainda que notoriamente irracional, sempre fica pelo menos duas vezes mais feliz com as vitórias do Flamengo do que com qualquer outro resultado. E está sempre disposto a pagar o preço por essa alegria, que é justamente persistir na torcida, contra qualquer estatística, evidência científica ou cálculo de possibilidades. Para quem é Flamengo acreditar pode até ser, mas torcer não é uma opção. É pra isso que seguimos uma religião, é pra isso que torcemos pro Flamengo. E é por isso que somos nós, da arquibancada, do sofá ou do balcão, que ganhamos esses jogos.
Como já foi provado diversas vezes, o Flamengo pode tudo.
Mengão Sempre
*Pareamento que justifica, em um julgamento isonômico, toda e qualquer intolerância, obscurantismo, violência e exploração da fé pela qual o futebol, enquanto entidade, porventura venha um dia ser acusado.