GLOBO ESPORTE: Pergunte a qualquer rubro-negro sobre a primeira passagem de Abel pelo Flamengo! Provavelmente você ouvirá queixas sobre a final da Copa do Brasil em 2004. E com razão. A derrota por 2 a 0 no Maracanã para o Santo André foi um dos maiores vexames da história do clube. E de certa forma ofusca o bom trabalho que o treinador realizava até então.
Foram sete meses intensos na Gávea. Abel, que ainda não tinha a grife e os títulos de hoje, aceitou o convite do amigo Júnior, então diretor de futebol rubro-negro. Recusou proposta do Inter e assumiu um time atolado em dívidas, com salários atrasados, mas que deu liga. Conquistou o Carioca, criou sintonia com a torcida e “levantou poeira”.
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Foto: Reprodução |
Aquele time, com Abel no banco, e regido por Felipe em campo, de certa forma surpreendeu. Chegou, por exemplo, sem grandes investimentos à decisão da Copa do Brasil. A queda na final, no entanto, foi um nocaute direto. Deixou marcas e quase levou o Flamengo à Série B. Com ajuda do acervo de “O Globo”, relembramos essa história.
Chegada com declaração
Esqueça esse Flamengo atual com as finanças em dia e poder aquisitivo. O cenário em dezembro de 2003 era outro. Márcio Braga acabará de vencer a eleição e trouxe Junior para comandar o futebol. O ex-jogador foi buscar Abel Braga na Ponte Preta. Em sua apresentação, Abelão teve de explicar seu passado vascaíno. E declarou-se ao Flamengo.
– O Flamengo é assim: ou você está aqui e o ama, ou está do outro lado e quer vencê-lo de qualquer jeito, pois, na verdade, todo mundo sonha um dia estar neste clube. Quem disser o contrário está mentido. Não preciso de camisa para vestir. O manto está vestido. Já corre no sangue.
Primeiro problema
Ainda na pré-temporada Abel encontrou seu primeiro problema. Então principal nome do time, Edilson demorou 10 dias a se reapresentar, reclamou dos salários atrasados e teve o contrato rescindido por Júnior. Atacante e dirigente bateram boca via imprensa.
– Gostaríamos do Edilson de dois anos atrás. O do ano passado não era o que o Flamengo queria – criticou Junior.
– Não dá para comparar. Até o título que o Júnior tanto perseguiu, eu consegui. O da Copa – disse Edilson, campeão do mundo um ano e meio antes no Japão.
Embalada por Ivete, vitória para dar moral
A caminhada começou com desconfiança. Com um time modesto, o Flamengo não empolgava. O Fluminense, por exemplo, com suporte da Unimed, tinha se reforçado com um quarteto de peso no ataque: Romário, Edmundo, Roger e Ramon. Era o grande favorito.
E foi justamente contra o Tricolor que o Flamengo começou a desabrochar nas mãos de Abel. Em 1º de fevereiro, o Rubro-Negro venceu um clássico eletrizante, repleto de viradas, por 4 a 3. Felipe teve atuação de gala. O time se encheu de moral. Nas arquibancadas a torcida embalou o hit “Sorte Grande”, de Ivete Sangalo, que acabou marcando a campanha.
– Éramos o timinho. Agora ganhamos respeito – disse Abel após o clássico.
O surgimento de Ibson
E foi neste Fla-Flu que Abel tirou uma carta inesperada da manga. O treinador promoveu Ibson ao time titular. O jovem volante, que acabará de voltar da disputa da Copinha, arrebentou, ganhou espaço e foi a principal revelação rubro-negra durante alguns anos. Em três passagens pelo Flamengo, ele entrou em campo 233 vezes.
Chope do Eurico? Abel vai de whisky
Após conquistar a Taça Guanabara sobre o Fluminense em um sábado de Carnaval, o Flamengo sagrou-se campeão carioca ao bater o Vasco na decisão do estadual. Jean marcou três gols e entrou para a história do clássico.
O título ficou marcado por provocações ao rival. Eurico Miranda, por exemplo, tinha encomendado litros e mais litros de chope para embalar uma eventual conquista do Vasco. No Maracanã, os rubro-negros não perdoaram: “Arererê, o chope do Eurico eu vou beber”. Abel também brincou após a conquista.
– Chope fica para o Eurico e para o Geninho. Eu vou tomar um whiskyzinho para relaxar e depois um vinho na refeição. Esse chope do Vasco ficou indigesto – brincou o treinador.
Fla despacha Grêmio e Vitória
O início no Brasileiro não foi bom, mas Flamengo e Abel ainda tinham crédito da boa campanha no título Carioca. Em 12 de maio, o Rubro-Negro foi a Porto Alegre e venceu o Grêmio por 1 a 0, gol de Zinho. Há anos o time não conseguia uma vitória dentro do Estádio Olímpico.
No Maracanã, o empate sem gol garantiu o Flamengo na semifinal da Copa do Brasil. Em seguida veio o Vitória. Triunfos no Rio de Janeiro e em Salvador asseguraram a vaga na final contra o então inexpressivo Santo André. O segundo título da temporada, ainda no primeiro semestre do ano, parecia encaminhado. Mas só parecia…
Mancha na história
A derrota para o Santo André por 2 a 0 no Maracanã é um dos capítulos mais tristes da história do Flamengo e marcou a passagem de Abel. Após empate por 2 a 2 em São Paulo, 0 a 0 ou 1 a 1 garantiriam o troféu na Gávea.
Abel até hoje é contestado pela escalação. Zinho estava machucado, e o treinador optou por quatro volantes: Da Silva, Douglas Silva, Robson e Ibson. O vexame caiu em sua conta.
Lanterna, clima insustentável e queda
O vice-campeonato da Copa do Brasil estremeceu a relação com a torcida, e o clima ficou insustentável para Abel Braga. Marcio Braga viajou para Disney e deixou o destino do treinador nas mãos de Junior. Dois dias antes da demissão, a torcida foi à Gávea protestar e cobrou a saída do treinador. A queda aconteceu logo após derrota por 1 a 0 para o Juventude, em Volta Redonda, com o Flamengo na lanterna do Brasileirão. Hoje, retorna quase 15 anos depois para iniciar uma nova história.