O GLOBO: Na segunda parte da entrevista ao GLOBO (leia a primeira parte aqui), Renato Gaúcho reflete sobre o trabalho no Grêmio, explica as apostas em jogadores “renegados” e defende o protagonismo do treinador nas contratações: “Pode ter o Centro de Inteligência, mas não adianta colocar lá pessoas que não entendem. Já vi isso no Grêmio inclusive”.
Como você só fez uma aula na CBF Academy, não há o risco de começar o ano sem a licença proibido de trabalhar?
Esse papo de licença já vem há dois anos. Faltando um mês, avisam, “vai ter o curso”. Eu fiz a minha programação, não a que os outros querem. Não tenho nada contra o curso, não disse que não vou fazer o curso, mas não nas minhas férias. Em fevereiro tem outro curso, eu farei sem problema nenhum, cinco, dez, quinze dias. Mas aí, se for para o pau, tem muita coisa para rolar. Hoje em dia não é simples alguém proibir de trabalhar. Mas não estou aqui para brigar com ninguém.
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Foto: Divulgação |
Com esse modelo do jogo, o Grêmio, melhor time brasileiro e da América do Sul ano passado, mas esse ano teve muito mais dificuldades: saiu o Arthur, Luan e Maicon se lesionaram…
Quer andar com um pneu (risos)? O modelo que eu gosto vai me andar desde que tenha as peças. Caiu um pouquinho, mas olha quem você citou: Arthur, seleção, Luan, seleção, Michael, se machucou. Três do meio. Alguns jogos o Tite convocou o Everton. Aí não é mole. O próprio Geromel foi convocado para a Copa. E mesmo assim, com todos esses problemas, o Grêmio chegou em todas as competições.
Você participa da contratação dos reforços?
Os caras do clube podem me alertar, vou lá e vejo. Senão, eu peço. Saio de férias, digo que quero esse e aquele, o que pode trazer. Ninguém vai chegar e dizer que contratou um jogador. Não existe isso.
Tem autonomia para contratar?
Se não tiver autonomia eu não vou. Porque vai estourar tudo em mim. Como não vou ter autonomia? Óbvio. Eu falo por mim, não pelos outros. Se os outros topam… Amigo, vocês estão contratando um treinador ou um fantoche? Nunca tive problemas em nenhum clube. Falam do Eurico no Vasco, foi um puta dum cara. Nunca se meteu no time, até porque nem entende. É o cara fora das quatro linhas. As pessoas não gostam mas eu gosto.
Mas as comissões técnicas cresceram, tem muito mais gente e informação. O técnico reúne tudo e toma as decisões…
Tudo passa pela cabeça do treinador. Pode ter o Centro de Inteligência, mas não adianta colocar lá pessoas que não entendem. Já vi isso no Grêmio inclusive. Por isso que lá tem vários departamentos, como todos os clubes. Tudo anda sob minhas ordens. É tudo do jeito que eu quero. Eu entro em qualquer departamento, converso e quero ver se entendem. Porque eu vou entender, afinal eu joguei durante vinte anos.
Em 2017, tive um problema sério com o Luan. Cheguei no departamento médico, perguntei quantos dias ele ia voltar. Falaram três semanas. Muito tempo. Ta bom, três semanas. Com 15 dias, eu: E aí? Pediram calma e mais uma semana. Terminou o prazo. Posso pegar o Luan? “Calma.” Já me irritei. Passaram-se dez dias, nada. Lá eles são muito conservadores, e comigo é tudo mais rápido. Departamento médico de futebol é que nem na guerra, você precisa do soldado. Passaram-se 40 dia ao todo, eu peguei o Luan e falei que, a partir daquele momento, era comigo. Falei que ia botá-lo para treinar e falei que, se ele sentisse alguma coisa, era bom todo mundo começar a rezar. Peitei todo mundo, e o cara jogou e arrebentou. Tem que ter conhecimento e ter peito para fazer as coisas. Entendo de todos os departamentos de um clube.
Você está preocupado com o Luan? Ficou de fora da seleção, não foi para a Europa…
Ele tem 25 anos. Confia muito em mim. A minha parte, eu faço. A dele, ele faz. Foi o melhor jogador da América no ano passado. É um puta de um garoto. Já vinha brigando para os médicos liberarem. Faço isso com ele e todo mundo.
O meia Diego, do Flamengo, te agrada?
É bom jogador.
Você pediu ao Grêmio por ele?
Nunca pedi o Diego. É jogador do Flamengo. Não pedi. O que eu pedi foi o Thiago Neves.
O volante Matheus Henrique já está pronto para o lugar do Arthur?
Estou lapidando o Mateus. Ele começou bem, mas deu uma rateada, o que é normal pela idade. Falta malandragem, mas isso ele vai pegando aos poucos. Ele protege a defesa, mas quer estar em todo lugar. Precisa de calma. Dá bote errado, se empolga. Tudo que eu fiz com Arthur, eu faço com ele, porque ele tem muita qualidade.
E a zaga, aguenta mais um ano? Ela tem sido fundamental para o time, e não parece haver reservas.
O Geromel tem 33. Kanemman tem 28. o meu reserva, o Paulo Miranda tem 32 e joga pra caralho. Teve problema só com o Bressan, que tem 24 anos. Mas sai um, vem outro. Kanemann tem 28 anos, o Flamengo quer porque quer o Kanemman, não vai levar.
Você pediu a renovação do Leo Moura?
Claro.
O que ele tem para seguir em alto nível?
Só lhe falta a força física para jogar 90 minutos. Tem inteligência, posicionamento, malandragem. Olha quantas jogadas do Leo Moura nos gols do Grêmio. Sabe por que ele joga? Por isso. Mostro lá. A liberdade que eu dou para ele, também dou para os outros. Mostro o vídeo dele para os mais novos. Com 40 anos, continua indo para dentro dos caras. Reúno o time entre quatro paredes e falo: “Vocês têm força, velocidade e metade da idade dele”. Eu quero que meus laterais vão para dentro. Mas não fazem por quê? É por isso que ele joga. Pode ir para dentro vinte vezes, que eu não vou ficar bravo. Mas não se omita. Senão vou colocar o cara pra jogar com 40 anos. Por isso vou renovar.
O que adianta ter metade da idade dele e não ir pra dentro? O que eles fazem, eu faço aos 56 anos: pegar a bola e tocar para trás. O Brasil atrás de lateral e eles dando esse mole. Eu pergunto o que eles querem da vida. Têm medo de ir pra cima ganhando salário de R$ 200, R$ 300 mil? Me aborreço demais.
Peguei o lateral do Vasco, o Madson, e falei: você tem velocidade, você tem força, o que precisa mais? Ele respondeu que no Vasco, o time só dava chutão para frente e depois se defendia.
É mais fácil trabalhar com jogador resgatado, aquele que andava meio esquecido pelos grandes clubes?
Depende do treinador. O que vai passar para o cara. Dependendo pode enterrar ele. Ou joga ou vai ser descartado, matou o cara.
O Marinho te decepcionou?
Não é que tenha me decepcionado. Marinho tem 27 anos. Contratei porque vi jogar, livrou o Vitória da Série B. “Cadê aquele Marinho?”, perguntei para ele. Ele falou que nunca se sentaram com ele para passar a parte tática. Os caras do Vitória davam chutão pra frente e ele se virava, me disse.
Conta com ele?
É atleta do Grêmio. Andou falando besteira… [o atacante chegou a dizer num vídeo que era só o Flamengo pedir para o Grêmio que ele se transferiria] .
Digamos que você tivesse ganhado a Libertadores e enfrentasse o Real Madrid. Você tinha um plano?
Ia ser diferente. Ia botar meu time para jogar, como sempre boto. Em 2017, estávamos sem alguns jogadores naquela partida do Mundial. Sem Arthur e Michel machucados. Quer mais? Perdemos com gol de falta em falha nossa.
Mas teu time deu um chute, numa falta de longe. O Real deu dez perto do gol…
Dez? Dez depois que eu tive que abrir de vez o time. Até então, a obrigação de ganhar era dos caras. Eu olhava para o Zidane, ele estava coçando a cabeça. Se ele estivesse no meu lugar, daria um tiro na cabeça. Neste ano, eu estaria com todo mundo lá. Podia perder de novo, mas eu teria mais peças e opções.