ESPN: Comandante
do Flamengo, líder do Campeonato Brasileiro e que está na semifinal da
Libertadores, Jorge Jesus caiu nas graças de torcedores e jogadores
rubro-negros. O "mister" fez uma longa carreira como no futebol
português - em clubes como Benfica e Braga - antes de se aventurar pelo Brasil.
O
ex-zagueiro Gélson Baresi, revelado pelo clube da Gávea e campeão brasileiro em
1992 conhece bem o treinador. Eles trabalharam juntos por uma temporada no
Vitória de Setúbal (2000/2001) e ficaram na segunda posição da Segunda Liga de
Portugal, conquistando o acesso para a elite.
O
antigo defensor contou à ESPN suas melhores passagens com o técnico português,
que hoje comandará o time rubro negro contra o Atlético-MG.
Eu
ainda não tinha informações sobre ele antes de trabalharmos juntos. Ele tinha
uma fama de treinador durão, disciplinador e que trabalha forte. Os jogadores
portugueses passavam isso para a gente. O Jesus chegou na sexta rodada do
torneio e passamos a conhecê-lo no dia a dia.
Ele
trabalhava o jogador no limite em todos os treinos, até mesmo na parte física e
tática. Muitos jogadores não compreendiam isso, levando para o lado pessoal e
se ofendendo.
O
Jesus é um treinador que vive o futebol 24horas por dia e transmite muita
emoção. Tem horas que ele até extrapola. Mas quando você passa a conhecê-lo,
entende que ele faz isso para melhorar a equipe. O jogador precisa entender a
maneira dele lidar com o grupo.
Não
era um cara de bajular. Os técnicos brasileiros têm um lado paternalista em
função da carência dos jogadores. Treinador aqui precisa ser pai, terapeuta,
administrador... Na Europa não tem isso. Lá, todos são profissionais, incluindo
os jogadores. Depois que termina os treinos, cada um vai para a sua casa. É um
lado mais frio mesmo.
Ele
tinha 45 anos naquela época e corria com os jogadores. Claro, que era malandro,
ia pela parte de dentro do campo para correr menos (risos). Ele incentivava os
atletas a irem. Ia correndo e gritando para a gente ir (risos).
'Aqui não é praia'
O João
Pedro era um atacante brasileiro muito técnico e habilidoso. Jogava pelas
pontas como um extremo. Em um dos treinos ele passou pelo lateral-esquerdo e
chegou até a linha de fundo. O Jesus queria que o jogador fosse objetivo e
cruzasse a bola na área para os atacantes. Só que ele esperou o lateral se
recompor e tentou dar um corte de letra. Naquele momento, o 'mister' parou e
disse: 'João Pedro, aqui não é beach soccer! Quer fazer gracinha? Vai para a
praia!' Naqueles tempos, a seleção brasileira de beach soccer fazia muitos
lances de efeito em jogos de exibição.
Eu
conversava bastante com o Jorge. ele me falava: 'Você é um zagueiro muito
técnico e inteligente. Se fosse mais veloz poderia ser considerado um dos
melhores'. Eu brincava: ''Mister', se eu fosse rápido eu não seria zagueiro. Eu
seria atacante porque os defensores recebem bem menos (risos)'.
Ele no
campo se transformava. Depois dos treinos tinha um comportamento muito
agradável, batia papo conosco.
Bafômetro de Jesus
Ele
não deixava levar os telefones celulares para o refeitório. Você só levanta da
mesa quando o último terminar a sua refeição. Ou seja, ninguém comia rápido
para ir se trancar no quarto. Ele usava esse momento das refeições para
conversar com os jogadores. Não sei se ele faz isso hoje em dia, ainda mais
hoje com a tecnologia.
'Jogador
que sabe correr de costas é o diferencial'. O que é isso? É dar um ou dois
passes para trás e dar opções de jogadas para os colegas de time. Os jogadores
vão estar te vendo. Quando o atleta não sabia correr de costas, o Jesus mandava
o cara dar uma volta corrend de costas pelas linhas do campo.
Nos
jogos dos finais de semana não tinham concentrações. Ele ficava parado no túnel
que dava acesso ao campo todo sábado esperando todos os jogadores para os
treinos de manhã cedo. Você era obrigado a apertar a mão dele e a dar bom dia
em alto e bom som. Com isso, ele conseguia ver se você tinha ido para a
noitada. Ele olhava para a sua cara e conseguia sentir se você tinha consumido
álcool na madrugada (risos). Dava para perceber se estava virado ou não.
'Do pescoço para baixo são todos iguais'
Ele
dava uma ênfase muito grande na parte tática. Ele costumava dizer: 'Do pescoço
para baixo, os jogadores são todos iguais. A diferença está do pescoço para
cima. O que diferencia o bom do excelente é a cabeça'.
O
Jesus colocava estacas em campo para cada posição e ia explicando o que cada um
deveria fazer. O trabalho tático dele durava até duas horas. Tínhamos um
lateral-direito que era bem alto. Se no jogo o adversário estava com dois
atacantes dentro da área, o lateral virava um terceiro zagueiro. Ele dava um
comando com alguma palavra e a gente mudava no jogo sem trocar peças.
Nós
tínhamos o Eliseu, um zagueiro canhoto e muito alto como é o Pablo Mari. O
Jesus o mandava para o ataque quando precisávamos do resultado e já tínhamos
tudo planejado durante a semana de como iríamos fazer.
É um
dos treinadores que mais aprendi taticamente, é um fenômeno. Eu evoluí muito
como jogador e passei a aprender mais. Ele mudava todo o sistema de jogo sem
trocar uma peça em campo, sem substituir ninguém.
'Espero que ele me reconheça'
Jesus
sempre gostou de jogadores brasileiros. Eu achei que ele poderia ter problemas
para se adaptar à cultura do futebol brasileiro aos 66 anos. Mas ele é muito
inteligente e conseguiu entender como funcionam as coisas aqui e tem um elenco
com muita experiência na Europa que o ajudou demais. Os atletas mais
experientes auxiliam os mais novos. Senão, poderia ter problemas no ambiente de
trabalho. O Flamengo dá o apoio e credibilidade para que ele possa exercer o
trabalho. Nosso lado paternalista atrapalha o amadurecimento dos jogadores
brasileiros.
Agora,
que ele está morando no Rio de Janeiro eu quero reencontrá-lo. Nunca mais nos
vimos. Estou com os cabelos mais brancos e ficando careca, mas espero que ele
me reconheça (risos). A gente conversava bastante e tínhamos afinidade. É um
cara que tem muito para ensinar. Ele sempre tinha umas tiradas que se você
analisa depois dá razão ao 'mister'.
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