
ESPN: Pedro Henrique Torre
A irregularidade do Flamengo em campo e a falta de resultados em 2021 elevaram a pressão no clube, especialmente sobre Rogério Ceni. Depois de um vaivém de reuniões e discussões sobre o futuro nesta segunda-feira, a cúpula da diretoria decidiu mantê-lo no cargo.
A conclusão depois de troca de ideias indicou dois caminhos: Ceni não é o protagonista do mau momento rubro-negro e, também por isso, há a necessidade de reformular a gestão do departamento de futebol para a próxima temporada. Não necessariamente dispensar nomes, mas modificar a maneira de tocar o dia a dia. Elevar a cobrança, promover a competitividade interna e reestabelecer métodos mais rígidos para fazer com que o time volte ao tão decantado outro patamar e, mais do que isso, evolua.
O clube observa brasileiros com excelência em gestão no exterior. A ideia é contratar profissionais que desempenhem trabalho de alto nível para tentar retomar o que foi interrompido por Jorge Jesus, que deixou o Ninho do Urubu sem um legado específico.
O sentimento da cúpula é de que o departamento de futebol não tem conseguido encontrar soluções para o momento difícil, o que ressaltaria o coro de parte da diretoria de que o setor acabou “terceirizado” pelo português durante sua passagem.
Jesus controlava quase tudo no Ninho do Urubu, desde horários, condutas, organização, métodos de treinamentos até a quem seria permitido observar os treinamentos. Certa vez, já em 2020, constatou a presença de pessoas do próprio departamento de futebol com quem não tinha proximidade e exigiu que deixassem o local. Houve certo constrangimento, mas o técnico acabou atendido. Desde a saída, a flexibilidade do dia a dia é considerada maior no CT.
Entende-se que atletas como Pablo Marí e Rafinha desempenhavam papel além do campo, com contribuição efetiva para o bom ambiente e a competitividade interna. E mais além: com as saídas dos atletas eles não tiveram substitutos principalmente nos papeis que desempenhavam no extracampo.
Rogério Ceni tem bom contato com os atletas, relacionamento mais direto com os experientes e os métodos de treinamento seguem elogiados. É um ponto que contou a favor de sua permanência, embora haja questionamento interno sobre algumas escolhas, como a escalação de César em vez de Hugo contra o Ceará ou o não aproveitamento de atletas da base como Ramon. O entendimento é de que alguns novatos ainda não atendem às exigências dos treinamentos, com movimentações específicas para o modelo de jogo a até baixo aproveitamento em treinos técnicos, como cruzamentos, por exemplo. E, desta maneira, são preteridos em relação a outros.
Experiente com o dia a dia de futebol e com maior proximidade aos atletas e o núcleo do vestiário, o vice de futebol, Marcos Braz, tenta contornar a pressão. Mas o próprio dirigente sofre com críticas internas principalmente depois de sua candidatura e consequente eleição para vereador no Rio de Janeiro. Ele foi empossado no início do mês.
Depois das reuniões desta segunda há a promessa de uma conversa mais dura com o elenco depois do início desastroso em 2021 e o risco de nem finalizar o Brasileiro no G-4, o que poderia comprometer ainda mais a parte financeira. A exigência é de reação imediata a partir do jogo contra o Goiás, na próxima semana.
Após a derrota contra o Ceará o clima no vestiário foi de puro abatimento, de jogadores a técnico. Diego pediu a palavra, fez discurso forte na tentativa de recuperar o astral e também cobrar os companheiros. Àquela altura muitos entendiam que Ceni não continuaria no comando diante do panorama, talvez até por escolha própria.
A falta de reação da equipe mesmo com semanas cheias de treinamentos frustrou demais integrantes do departamento de futebol, mas especialmente o técnico. Havia a preocupação de como proceder diante de um novo insucesso em meio a uma sequência de cinco jogos fora de casa. Por isso o cargo do treinador esteve em discussão. No xadrez da Gávea, o ferver do caldeirão político também é considerado peça-chave.
Há, sim, diferença de pensamentos entre a sede social e o Ninho do Urubu, ainda mais acirrada com a eleição presidencial ao fim deste ano. Houve forte descontentamento com a maneira como o contrato de Domènec Torrent, por exemplo, foi negociado. A salgada multa de 1,8 milhões de euros (cerca de R$ 12 milhões) – equivalente até o fim do contrato – foi o grande motivo. O acordo com os representantes do treinador catalão demorou dois meses para ser finalizado e o clube não teve sucesso algum na tentativa de reduzir o prejuízo.
Entre Gávea e Ninho, o Flamengo de 2019 é um belo retrato na parede. Mas a moldura da atual temporada está rachada e o clube faz última tentativa de consertá-la a tempo sem mudanças bruscas imediatas.